
A convocação pelo presidente Lula (PT) de um ato em memória aos ataques do 8 de janeiro virou motivo de apreensão no meio militar. Oficiais ouvidos pela Folha de S.Paulo afirmaram preocupação que o evento reacenda críticas à vinculação de militares com o governo Jair Bolsonaro (PL) e à postura dos ex-comandantes com os acampamentos que se formaram em frente a quartéis, após a vitória eleitoral do petista no final de 2022.
Receosos com a repercussão, os comandantes das Forças Armadas chegaram a questionar o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, sobre a necessidade de participar da cerimônia no Senado Federal, prevista para a tarde de segunda-feira (8).
São esperados cerca de 500 convidados, entre ministros de Estado, governadores, parlamentares, lideranças da sociedade civil e integrantes da cúpula do Judiciário, entre outros.
Os comandantes argumentaram que o ato terá caráter político e que, por isso, eles deveriam ser dispensados de participar e Múcio teria de representá-los.
O tema foi tratado durante um almoço entre os comandantes da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen, do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, e da Aeronáutica, brigadeiro Marcelo Kanitz Damasceno, e o próprio Múcio.
As objeções já tinham sido discutidas entre os chefes militares em conversas informais que antecederam a reunião com o ministro.
Múcio ressaltou a importância da participação dos comandantes por se tratar de um convite de Lula, formulado em conjunto com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso.
Além dos chefes das Forças Armadas, o secretário-geral do Ministério da Defesa, Luiz Henrique Pochyly da Costa, e o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, almirante Renato de Aguiar Freire, deverão comparecer à cerimônia no Congresso Nacional.
A superação desse impasse não afasta o temor de que o ato, batizado de Democracia Inabalada, acabe por reabrir feridas entre militares e governo e reacenda o clima de tensão de um ano atrás.
A relação entre Lula e as Forças Armadas foi marcada por desconfianças desde a transição, mas houve um gradual distensionamento nos últimos meses. O pano de fundo da desconfiança sempre foi a avaliação, entre conselheiros de Lula, de que oficiais de alta patente estavam comprometidos com Bolsonaro –capitão reformado do Exército.
Poucos dias depois das cenas de vandalismo em Brasília, ele declarou em entrevista à GloboNews que os ataques eram um “começo de golpe de Estado” e que integrantes das Forças Armadas que quiserem fazer política têm de tirar a farda e renunciar do seu cargo.
“Enquanto estiver servindo às Forças Armadas, à Advocacia-Geral da União, no Ministério Público, ‘essa gente’ não pode fazer política. Tem que cumprir com a sua função constitucional, pura e simplesmente”, declarou na ocasião.
Integrantes das Forças Armadas relatam estar preocupados com o ressurgimento de movimentos como o Sem Anistia, marcado pela cobrança de punição aos participantes dos ataques de 8 de janeiro, entre eles os militares.
Há ainda o receio sobre uma possível reação de militares da reserva, sempre mais ruidosos do que os da ativa.
Outro foco de apreensão é que o ato político volte a impulsar dentro do PT propostas no Congresso para tentar extirpar atribuições dos militares e alterar o artigo 142 da Constituição.
Enquanto as investigações relacionadas aos ataques miram os vândalos presos nos prédios públicos, os incitadores em frente ao quartel-general do Exército e os financiadores, até o momento altos oficiais das Forças Armadas estão livres de responsabilização –apesar de vozes influentes do Executivo e do Judiciário considerarem que eles foram, no mínimo, omissos.
Na sexta (5), o Exército disse em nota que houve punições a dois militares no âmbito do 8 de janeiro, mas não detalhou quais condutas causaram a punição disciplinar e quais foram as penalidades.
A Força também disse que abriu quatro processos administrativos (sindicâncias) para apurar eventuais irregularidades nas condutas de militares, mas que não encontrou indícios de crimes.
O Exército também abriu quatro inquéritos policiais militares, que foram concluídos e encaminhados à Justiça Militar. Em um dos casos, o coronel da reserva Adriano Camargo Testoni foi condenado por postagens ofensivas a seus superiores hierárquicos em grupos de conversas no 8 de janeiro. A pena imposta a ele foi de um mês e 18 dias de detenção, em regime aberto.


