
Fachada de escritório da Odebrecht no Rio de Janeiro, em 2017
Foto: Mario Tama / Getty Images
Pela primeira vez no escândalo da Lava Jato, um arquivo detalhado extraído do Drousys, sistema que a Odebrecht usava para distribuir propinas, tornou-se público de maneira a permitir analisar a distribuição de valores por uma rede intrincada de contas em várias partes do mundo.
Trata-se de um registro de transferências durante cinco anos da conta 4010228962, do banco Credicorp no Panamá, uma das 11 instituições financeiras já apontadas por delatores como parte da rede bancária usada para encobrir remessas de recursos ilegais.
Referências sobre a conta já tinham aparecido em processos judiciais envolvendo subornos em outras partes do mundo. O acesso aos detalhes de seus repasses, no entanto, é inédito.
Os documentos desta reportagem são parte da investigação “Bribery Division” (Divisão de Propinas), conduzida pelo ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos).
No Brasil, participaram da apuração a revista ÉPOCA e o “Poder360”. O ICIJ é uma organização sem fins lucrativos, com sede em Washington, capital dos EUA, e que promove trabalhos colaborativos de apuração entre profissionais de mídia de todo o mundo.
As novas descobertas foram possíveis porque o ICIJ teve acesso a um lote de documentos obtido pelo jornal digital La Posta, do Equador. Os registros foram compartilhados pelo ICIJ com 17 parceiros em países do continente americano.

Sede da Odebrecht em São Paulo
Foto: Nacho Doce / REUTERS
Os mesmos arquivos foram obtidos de maneira independente pelo equatoriano Mil Hojas , que também se juntou ao projeto. Mais de 50 jornalistas trabalharam de maneira minuciosa para entender o conteúdo dos cerca de 13.000 documentos por 4 meses.
159 CONTAS EM 33 PAÍSES
A lista de transferências nos documentos analisados mostra a capilaridade e a complexidade das movimentações financeiras. Há registros de 446 depósitos e recebimentos vinculados a 159 contas diferentes em 89 bancos, localizados em pelo menos 33 países.
As transferências estavam no sistema usado pelo Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, que ficou conhecido como “departamento de propinas” após a deflagração da Operação Xepa, a 26ª fase da Lava Jato, em 2016.
No total, essa conta 4010228962 movimentou mais de US$ 390 milhões (cerca de R$ 1,5 bilhão), de janeiro de 2011 a fevereiro de 2015. À Justiça dos Estados Unidos, a Odebrecht admitiu o pagamento de US$ 437 milhões em propinas para outros países e US$ 349 milhões no Brasil. Ou seja, são cifras diferentes dessa que aparece na conta 4010228962 do banco Credicorp no Panamá.
O sistema Drousys foi criado para contabilizar transferências ilegais e não houve até hoje abertura total para o público analisar o que havia ali dentro. Reportagem publicada nesta 4ª feira pelo ICIJ mostra uma série de evidências de novos casos de corrupção descobertos a partir dos novos arquivos.
A Odebrecht também fez acordos de delação em diversos países. Não é possível neste momento ter segurança de que a empreiteira contou a mesma história em lugares diferentes. Tampouco fica claro se todo o valor encontrado no Credicorp faz parte do montante já admitido pela Odebrecht –sobretudo na extensiva delação oferecida às autoridades dos EUA.
QUEM FAZIA OS PAGAMENTOS
O Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht “funcionava como 1 departamento de propinas”, de acordo com afirmações da construtora em seu acordo com a Justiça dos Estados Unidos. Segundo depoimento do ex-diretor da Odebrecht Fernando Migliaccio, a divisão era a responsável por “fazer pagamentos paralelos não contabilizados”.
Isso incluiu, além de suborno visando a obter vantagens em obras de diversos países, financiamento por meio de caixa 2 a campanhas políticas e o pagamento “por fora” de bônus a executivos com o objetivo de evadir impostos. A Odebrecht tem operações em 14 países, além de escritórios de representação em outros 13.
O documento de 20 páginas acessado pelo ICIJ detalha a movimentação de uma conta operada pela offshore Select Engineering Consulting and Services, no Panamá, e cita nominalmente o ex-banqueiro Eduardo Lucio Patrao.
Patrao é suspeito de intermediar a distribuição de propinas para diversas obras do Panamá, Uruguai e Argentina. Segundo o jornal argentino La Nación , a mesma conta cujos registros foram obtidos pelo ICIJ foi usada no pagamento de US$ 14 milhões a funcionários do Ministério de Planificação Federal da Argentina. O objetivo teria sido conseguir 1 contrato para a construção do sistema de tratamento de água Área Norte, em Buenos Aires.
Há também investigações sobre o envolvimento de Patrao em propinas pagas à Constructora Del Sur, do Panamá. Atualmente, ele é investigado pela Justiça panamenha por lavagem de dinheiro e está impedido de deixar o país.
SEGUINDO O DINHEIRO
Na planilha da conta vinculada a Eduardo Lucio Patrao no sistema Drousys é possível identificar movimentações entre 159 contas diferentes registradas em pelo menos 33 países.
Eis os 5 países cujas contas mais registraram transferências no documento da Credicorp: Portugal (US$ 270,6 milhões), Panamá (US$ 22,2 milhões), Suíça (US$ 21,2 milhões), China (US$ 14 milhões) e Antigua (US$ 13,7 milhões).
Além dos principais destinos, há também transferências registradas no documento para contas nas seguintes localidades: Alemanha, Andorra, Argentina, Austrália, Áustria, Bahamas, Barbados, Brasil, Canadá, Caribe, Coreia do Sul, Curaçao, Emirados Árabes, Equador, Espanha, Estados Unidos, França, Grécia, Hong Kong, Ilhas Cayman, Índia, Indonésia, Inglaterra, Luxemburgo, Uruguai, República Tcheca, Suécia e Venezuela.