A construção de um aterro sanitário pela empresa Marquise, que explora a coleta de lixo urbano em Manaus desde 2013, vem provocando polêmica na cidade. É que a obra da iniciativa privada fica numa das últimas áreas de proteção ambiental urbana da capital amazonense, o que provocou críticas de Câmara Municipal e Assembleia Legislativa.
Nesta segunda-feira (28), decisão cautelar publicada no Diário Oficial Eletrônico de hoje, o conselheiro do Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM), Mario de Mello, suspendeu as licenças que haviam sido concedidas pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) para a construção e operação da obra – a decisão pode ser acessada em www.doe.tce.am.gov.br.
De acordo com o relatório do conselheiro, houve contrariedade entre as licenças emitidas pelo órgão estadual de proteção ambiental e o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o uso de áreas de preservação ambiental para a implementação de aterros sanitários.
A medida cautelar foi embasada em um conjunto de informações apresentadas pelo conselheiro e os órgãos técnicos da Corte de Contas.
Segundo apontado no relatório, a construção do aterro sanitário em uma área de preservação permanente, como foi autorizado pelo IPAAM, pode representar um perigo iminente de dano ao meio ambiente, especialmente ao Igarapé Leão e à Bacia do Tarumã-Açu.
No relatório foi apontado que, de acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), a destinação final ambientalmente adequada dos resíduos é uma responsabilidade da sociedade como um todo.
A lei estabelece a necessidade de encerramento das atividades de lixões e a disposição final dos resíduos em aterros sanitários, que são projetados para evitar a contaminação do solo, água e ar.
No entanto, a construção do aterro sanitário em uma área de preservação permanente suscitou preocupações quanto à sua conformidade com as diretrizes da PNRS e com a decisão do STF sobre o tema.
O conselheiro destacou que o STF já havia se manifestado sobre a inconstitucionalidade de utilizar áreas de preservação ambiental para a implementação de aterros sanitários.
O Supremo decidiu que tais obras não podem ser consideradas de utilidade pública para esse propósito e, portanto, não devem ocorrer em áreas protegidas.
Apesar do posicionamento do STF, ocorrido em 2018, a construção do aterro sanitário em questão havia avançado consideravelmente e uma nova licença de operação foi concedida pelo IPAAM em maio de 2023.
O panorama da situação levou o conselheiro a conceder a medida cautelar de suspensão das Licenças de Operação n.º 173/2023 e de Instalação 203/11-06, devido aos riscos irreversíveis ao meio ambiente que poderiam ser causados pela operação do aterro.
Além da suspensão imediata da licença, foi determinado o prazo de 15 dias para que o ex-secretário de Estado do Meio Ambiente, Eduardo Taveira, e o diretor-presidente do Ipaam, Juliano Marcos Valente, apresentem justificativas sobre o caso.
Cronologia do caso
O local onde está sendo realizada a obra, vai abrigar o novo lixão da cidade, após a Justiça do Amazonas dar um prazo até o final deste ano para a mudança do atual aterro sanitário, na rodovia AM-010 (Manaus-Itacoatiara), para outro lugar.
Nesta segunda-feira (28), a questão voltou a ser discutida em sessão plenária da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam).
O deputado João Luiz (Republicanos) disse que a mudança do lixão traz a preocupação com os moradores, pois o rio está seco e aparecem vários objetos de descartes. Ainda segundo ele, os moradores do entorno têm se posicionado contra e mostrado preocupação com a construção.
“O que nos assusta é como o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) liberou a licença provisória para iniciar a mudança. Precisamos preservar os nossos rios, as nossas matas e a nossa flora”, afirmou o parlamentar.
Ipaam diz que obra é legal
O Ipaam informou, em nota, na última sexta-feira (25), que o aterro sanitário do Grupo Marquise Ambiental, instalado em uma área próxima ao Rio Tarumã-Açu, na zona Oeste de Manaus, passou por todos os critérios de licenciamento ambiental e está com a infraestrutura operacional em fase de conclusão.
O Ipaam disse que a liberação do licenciamento ambiental da obra está em processo há 14 anos e que, durante esse período, todos os aspectos ambientais legais exigidos foram monitorados.
O Instituto afirmou que a construção do aterro foi debatida em audiência pública com os ministérios públicos Federal e Estadual, e TCE-AM (Tribunal de Contas do Estado do Amazonas), e que a empresa apresenta relatórios periódicos sobre o funcionamento da estrutura.
“Trata-se do primeiro e único aterro sanitário totalmente dentro dos parâmetros estabelecidos pelas leis ambientais do país no Estado do Amazonas e qualquer suposição de irregularidade na sua construção e/ou atividade é descartada por este órgão”, diz a nota do Ipaam.
Polêmica
O aterro sanitário está em fase de implementação em uma APP (Área de Proteção Permanente), localizado no Ramal Itaúba, no km 13, da BR-174, no Tarumã, zona Oeste de Manaus.
Na Câmara Municipal de Manaus (CMM), o presidente Caio André (Podemos) afirmou que entrará com uma representação junto ao Ministério Público do Amazonas.
Para o vereador Lissandro Breval (Avante), o crime ambiental acabará com a região: “Nós temos que lutar contra esta obra. É uma área que é reserva ambiental, que é nascente do igarapé do Leão e que é maior nascente ali no local. Essa obra vai contaminar o Tarumã-Açú, isso é um crime gravíssimo que essa construtora está fazendo ao tentar fazer esse aterro”, disse.
Para o deputado Rozenha (PMB), o aterro também afeta a aviação. “Além de ser um problema irreversível que é o da poluição, vamos trazer outros problemas e cito aqui a questão da aviação em Manaus, porque na aviação existe algo chamado ‘cone de aproximação’ e sabe aonde fica o cone de aproximação do aeroporto Eduardo Gomes? Fica na região do Tarumã, do Ramal do Pau-Rosa e todas as aeronaves que pousam aqui, pousam usando esse cone de aproximação e o lixão trás urubus”, destacou.
“Essa decisão foi tomada na calada da noite, pois ninguém sabia que essa lixeira estava sendo construída no local. Os donos dessa empresa Marquise não moram em Manaus, não se importam se o Tarumã for poluído, por isso irei propor a derrubada dessa licença ambiental para a instalação de uma lixeira no local”, afirmou a deputada Alessandra Campelo.
Ela complementa ainda que “há pouco tempo estávamos discutindo a retirada dos flutuantes no rio Tarumã e agora somos surpreendidos com a construção dessa lixeira”.