Nem mesmo a crise de oxigênio que matou centenas de amazonenses em 2021, da segurança com ataques de facções criminosas em Manaus que precisou do auxílio da Força Nacional e a seca histórica que deixou a capital amazonense ilhada sem ter como exportar os produtos do seu parque industrial para o comércio varejista nacional e impactou a Black Friday – a pior de todos os tempos -, sensibilizou o ativismo ambiental que atua contra a repavimentação da rodovia BR-319, que liga Manaus a Porto Velho.
Moradores, motoristas e passageiros enfrentam diariamente a lama e atoleiros em parte dos seus 800 km da rodovia, inaugurada nos anos 70, e, que como a maioria das estradas brasileiras, foi se deteriorando sem a manutenção do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (Dnit).
Habitantes dos municípios cortados pela rodovia também enfrentam a falta de abastecimento de remédios, alimentos, combustíveis, gás de cozinha e não raramente entram em Estado de Emergência e são socorridos pelo governo estadual para manter o mínimo da estrutura dos serviços essenciais.
Com a logística afetada, até mesmo os adversários da Zona Franca de Manaus no sudeste não entendem como o Polo Industrial de Manaus não tem como escoar a sua produção que abastece todo o mercado comercial brasileiro com estoques de ar condicionados, ventiladores, geladeiras, motocicletas, bicicletas, celulares e outros eletroeletrônicos. A principal saída terrestre vive situações medievais em pleno 2023, às vésperas de 2024. A Via Ápia romana A.C funcionava melhor.
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Esta semana, o Observatório BR-319, organização que reúne entidades, emitiu nota se manifestando mais uma vez contra a ideia da repavimentação da rodovia, assim como a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, outra adversária da trafegabilidade da estrada, que disse recentemente que “os amazonenses só querem os asfaltamento para passear de carro”.
Marina Silva hoje representa os interesses de São Paulo por onde foi eleita parlamentar, apesar de ser do Acre, e também corrobora com entidades internacionais que defendem o protecionismo e lutam para que o Brasil não avance na produção de petróleo e no agronegócio, principalmente.
O alvo da vez agora é o Projeto de Lei nº 4.994/2023, que isentaria a BR-319 de um processo de licenciamento ambiental adequado, além de permitir o uso de recursos do Fundo Amazônia para a sua repavimentação.
O PL, assinado por 15 deputados federais do Amazonas e de Rondônia, foi aprovado no último dia 19 de dezembro, na Câmara dos Deputados, e segue para ser analisado no Senado.
A propositura permite o uso de “procedimentos simplificados ou por adesão e compromisso” para a emissão de licenças ambientais necessárias à repavimentação da rodovia, que já tem vários projetos que passaram anos sob análise do Ibama, órgão que tem vetado continuamente avanços nesse sentido.
Para o Observatório, o PL não aborda de forma adequada os riscos ambientais que a repavimentação da BR-319 carrega, nem fala em medidas para evitar e mitigar os impactos que essas obras teriam sobre a biodiversidade, ecossistemas locais e as populações da região, que sofrem com a falta de infraestrutura e desenvolvimento e vivem condições do século passado.
A justificativa do Observatório é que a BR-319 é um dos vetores de desmatamento em municípios da sua área de influência, conforme nota técnica publicada em 2023. Segundo o Observatório BR-319, os habitantes dos municípios abrem ramais para se locomover e se interligar entre comunidades derrubando árvores – em 2021, foram 45.300 hectares de floresta desmatados na região da rodovia, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
As entidades ressaltam a importância do processo de um “licenciamento ambiental completo e transparente, com ampla participação social”, para garantir o equilíbrio entre o desenvolvimento social e econômico e ambiental, que analisados e reanalisados pelo Ibama há anos, sem que haja uma solução definitiva, tornando-se mais um imbróglio.
“[…] A proposta de dispensar sua exigência para determinados trechos da rodovia BR-319 levanta preocupações sobre a proteção ambiental e o acirramento de conflitos sociais, principalmente diante do enorme potencial de impactos que a pavimentação implicaria”, destaca o documento.
A preocupação do Observatório é diretamente relacionada a povos indígenas e comunidades tradicionais da BR-319 – em torno de cinco.
O Amazonas é o estado que mantém a maior cobertura vegetal do país com mais de 80% da sua floresta nativa e possui um case de sucesso com a BR-174 – Manaus – Boa Vista. A estrada atravessa a reserva dos índios Waimiri Atroari, que controlam a passagem do tráfego e que agora permitiram a instalação do Linhão de Tucuruí – numa negociação de mais de R$ 100 milhões com o governo federal. Ele também controlam a exploração mineral há anos pela iniciativa privada na sua área e tem registrado um crescimento do seu povo, que estava ameaçado de extinção.

O Observatório, observa, ainda, que, o PL não cumpriria os preceitos da Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), um tratado de 1989 sobre populações indígenas e tribais baseados no ano de 1957.
O Observatório reforça a necessidade de se completar o processo de licenciamento ambiental adequado e a aplicação de alternativas sustentáveis. Segundo a entidade, a região sofre com pressões de desmatamento, queimadas, invasão de terras e outras atividades ilegais que ameaçam a biodiversidade e as populações da rodovia.
Em nome das entidades, o Observatório recomenda que o Senado faça ‘uma revisão profunda e cuidadosa do PL 4.994/2023’ e que incorpore salvaguardas socioambientais robustas, “capazes de garantir um processo adequado de licenciamento ambiental, considerando abordagens alternativas para o desenvolvimento regional com sustentabilidade socioambiental”, assim como o debate transparente com ampla participação da sociedade sobre o projeto.
Audiências públicas

A repavimentação 100% da BR-319 já foi alvo de consulta popular como sugere o Observatório. Durante um dos vários estudos de licenciamento, foram realizadas várias audiências públicas promovidas pelo Ibama com moradores dos municípios e comunidades que fazem parte do entorno da estrada.
Nas audiências realizadas, os moradores sempre demonstraram ser favoráveis a repavimentação da rodovia. “Foram feitas diversas reuniões em Manaus, Humaitá, Manicoré e até online para quem não poderia estar presencialmente”, informa o presidente da Associação Amigos e Defensores da BR-319, André Marsílio.
A Associação reúne 12 mil associados e possui 42 grupos de WhatsApp onde todos trocam informações sobre as condições de tráfego na estrada, desde o horários dos ônibus que fazem a linha regular entre as capitais Manaus-Porto Velho e outros municípios, até preço das travessias das balsas, serviços como postos de combustíveis e borracharias e pousadas ao longo da BR-319.
Para Marsílio, o PL não vai deixar de exigir o fim do licenciamento ambiental. “É preciso ler bem todo o projeto porque ele vai continuar com a exigência dos licenciamentos, inclusive para outras estradas estaduais interligadas a BR-319”, afirma.