
A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) abriu 62 processos para investigar a situação da política de acesso a medicamentos em todo o território estadual. A medida deverá embasar que atitudes a DPE tomará contra uma série de deficiências na saúde pública, incluindo possíveis ações na Justiça.
Segundo o defensor público Arlindo Gonçalves, coordenador do Núcleo de Defesa da Saúde (Nudesa), essa é uma atuação inédita na história do órgão que, pela primeira vez, “se valeu de sua capilaridade para atingir todo o estado”.
“Todos os municípios vão ter a sua política de acesso a medicamentos sendo questionada nesse momento em razão dessa possibilidade que hoje a defensoria consegue alcançar, porque está presente em todos os municípios”, disse.
Nessa sexta-feira (15), o Núcleo de Defesa da Saúde expediu 62 portarias instaurando procedimentos coletivos em Manaus e mais todas as outras cidades do Amazonas para “monitorar e acompanhar os protocolos que regularizam a dispensação de medicamentos” em cada um dos municípios.
De acordo com as portarias, as secretarias municipais de saúde deverão fornecer as seguintes informações: se a dispensação de medicamentos local está alinhada com as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) e com as políticas estaduais de saúde do Amazonas; se existe alguma restrição quanto à origem das receitas médicas apresentadas pelos usuários para acesso a medicamentos, prática que teria ocorrido na saúde estadual.
Os municípios também deverão informar se têm recebido repasses financeiros destinados à aquisição de medicamentos para os grupos Componente Básico de Assistência Farmacêutica (CBAF), Componente Estratégico de Assistência Farmacêutica (CESAF) e Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF).
Além disso, as pastas de saúde deverão informar como ocorre a aquisição de medicamentos pelos municípios e se há uma relação oficial, a chamada Relação Municipal de Medicamentos (Remume), que define os medicamentos oficiais essenciais e especializados. Também deverão informar se o município possui uma Comissão Farmacêutica Terapêutica que atue, delibere e assessore a gestão em saúde.
Cada uma das cidades deverá informar à Defensoria, ainda, se possuem protocolos padronizados para a dispensação de medicamentos. Caso tenham, deverão indicar qual a metodologia e a padronização adotada. Do contrário, devem informar uma previsão para elaborar esses instrumentos.
Por fim, deverão dizer qual foi a última atualização dos requisitos formais para dispensação dos medicamentos e se existe um levantamento de demanda reprimida no município.
Deficiências
O objetivo dessa operação da Defensoria Pública é mitigar uma série de situações problemáticas que vem ocorrendo no estado, até mesmo com a possibilidade de o estado empurrar a responsabilidade não somente pelos medicamentos básicos, “mas também o especializado e os medicamentos hospitalares”.
“Aquele município tem Remume? Se ele tem, traz para a defensoria. Ele constituiu uma comissão farmacêutica terapêutica para a criação do Remume? Porque ele precisa constituir. Ele está comprando medicamento especializado? Possivelmente os municípios menores talvez nem saibam o que é componente especializado e o que é componente básico, mas a gente vai fazer a pergunta”, disse o defensor Arlindo Gonçalves.
Os 62 processos coletivos poderão munir a Defensoria Pública de informações e, a partir daí, ela decidirá como irá proceder, seja por meio da cobrança de compromissos por parte dos municípios, como a criação das relações oficiais de medicamentos, ou se haverá alguma ação civil pública na Justiça Estadual.
Receitas rejeitadas
Além de mensurar essas deficiências municipais, a DPE já vem se ocupando em apurar a falta de acesso de medicamentos especializados fornecidos pela Central de Medicamentos do Amazonas (Cema), vinculada à Secretaria de Estado da Saúde (SES).
Um procedimento já instaurado há pelo menos um mês investiga se pacientes que obtiveram receitas em consultórios particulares não estariam conseguindo obter os medicamentos por meio da Cema, mesmo tendo direito.
“Não existe essa restrição no território nacional. O estado do Amazonas criou isso. Então imagina, um paciente reumatológico que precisa ter acesso a uma consulta com um reumatologista, ele vai esperar dois anos para ter acesso àquela consulta. O que a família faz? Paga. Muitas vezes são famílias que não têm condição, mas pagam um acesso numa clínica popular ou num plano de saúde”, relatou.
Segundo o defensor público, o médico particular prescreve um medicamento especializado que só é fornecido pela Cema e, quando o paciente tenta busca-lo, a entidade se recusa por ser uma receita privada, o que termina “embarreirando direitos aos pacientes”.