
Pouco mais de 50% dos 300 moradores de comunidades na rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho/RO) submetidos a testes sorológicos apresentou resultado positivo para anticorpos IgM contra o vírus Oropouche (OROV), indicando infecção recente.
Um resultado positivo para anticorpos IgM contra o vírus Oropouche indica uma infecção aguda ou recente pelo vírus, pois o IgM é um tipo de anticorpo produzido pelo sistema imunitário nos primeiros dias da doença, sendo detectável entre 3 e 8 dias após o início dos sintomas e persistindo por 30 a 90 dias.
Os testes foram realizados pela Fiocruz Amazônia (Fundação Oswaldo Cruz) em parceria com a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas-SP) e o Instituto Evandro Chagas que realizam pesquisa em trecho de aproximadamente 800 quilômetros da BR-319 para identificar a presença de anticorpos contra patógenos causadores de doenças como leptospirose, hantavirose, febre Oropouche, dengue, febre Mayaro, chikungunya, entre outras.
O objetivo do estudo é avaliar, no contexto do conceito One Health (Uma Só Saúde), como a degradação ambiental pode influenciar a dinâmica de circulação de vírus emergentes e reemergentes na região amazônica.
A abordagem considera a saúde humana, animal e ambiental de forma integrada, buscando compreender de que maneira o modo de vida local, a interação com a floresta e as transformações ambientais impactam o risco de doenças.
O trecho em estudo inclui comunidades como Igapó Açu e Realidade, além de diversos pequenos povoados ao longo da rodovia, onde são realizadas expedições periódicas do projeto. Cada expedição dura, em média, 20 dias, tempo suficiente para coletas de sangue, entrevistas com moradores e ações de educação em saúde.
O OROV é um arbovírus transmitido principalmente por pequenos insetos do gênero Culicoides (maruim ou mosquito-pólvora) e, até poucos anos atrás, sua ocorrência estava majoritariamente restrita ao bioma amazônico. No entanto, após uma grande epidemia de OROV na Amazônia brasileira em 2023-2024, surtos passaram a ser registrados em diferentes estados do Brasil e até em outros países da América Latina, aumentando a preocupação com seu potencial de dispersão.
Por apresentar sintomas semelhantes aos de outras arboviroses, como febre, dor de cabeça e dores musculares, o OROV pode ser facilmente subdiagnosticado.
Denominado Rede Pampa-BR 319, o projeto começou há três anos e, ao final, pretende apresentar um diagnóstico integrado com dados ecológicos, demográficos e clínicos.
O trabalho é coordenado pelo pesquisador em Saúde Pública Pritesh Lalwani, da Fiocruz Amazônia, em parceria com os professores doutores José Luiz Modena (Unicamp-SP), que acompanha o trabalho no Amazonas, e Lívia Martins (IEC-PA), que desenvolve diagnóstico semelhante na região de mineração de Carajás, no sudeste do Pará.
Segundo Lalwani, a relevância do projeto está na possibilidade de subsidiar políticas públicas voltadas para a população dessas áreas, a partir do conhecimento direto sobre o estado de saúde das pessoas que vivem nelas.
O pesquisador ressalta que compreender o impacto das ações humanas sobre o meio ambiente é essencial para antecipar e mitigar riscos sanitários. Embora a relação causal entre degradação ambiental e o surgimento de novas doenças infecciosas ainda esteja sendo investigada, estudos sugerem que mudanças no uso da terra, desmatamento e proximidade maior entre pessoas, animais domésticos e fauna silvestre podem estar associadas ao aumento de doenças zoonóticas.
O diagnóstico produzido pelo projeto servirá como linha de base para comparações futuras, especialmente após o recapeamento da BR-319, permitindo avaliar se as mudanças na infraestrutura e no uso da terra vão influenciar o risco e a ocorrência dessas doenças. “Com esses indicadores, poderemos propor estratégias e fortalecer o acesso do SUS a essas comunidades”, destaca.
Integração institucional
O ILMD/Fiocruz Amazônia vem atuando para ampliar a integração institucional entre grupos de pesquisa em saúde e meio ambiente na Amazônia. Para a vice-diretora de Pesquisa e Inovação da Fiocruz Amazônia, Michele Rocha El Kadri, um diagnóstico organizacional feito entre 2015 e 2016 já apontava a transversalidade dos temas saúde e ambiente nas pesquisas da instituição.
O projeto conta com financiamento das Fundações de Amparo à Pesquisa do Amazonas (FAPEAM), de São Paulo (FAPESP) e do Pará (FAPESPA), no âmbito do edital Amazônia+10, do Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap).
Participação comunitária
Mas não basta a ciência. É preciso também confiança da população. A liberação de mosquitos em bairros urbanos exige diálogo e participação social. Equipes de saúde e pesquisadores realizam reuniões comunitárias, campanhas educativas e visitas porta a porta para esclarecer dúvidas e conquistar apoio. Essa aproximação tem sido fundamental para dissipar desconfianças e mostrar que o método não traz riscos à saúde ou ao meio ambiente.