
O relatório, feito pela ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) e pelo MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima), detalha as dinâmicas do contrabando e os impactos do mercúrio sobre o meio ambiente e a saúde humana. Segundo o estudo, o Brasil é “um dos principais destinos do mercúrio contrabandeado na América do Sul utilizado majoritariamente em garimpos ilegais”.
O relatório identifica rotas clandestinas que atravessam fronteiras e alimentam a mineração ilegal no estado. Há “conexões entre o departamento de Loreto, no Peru, e áreas de garimpo ilegal na calha do Rio Solimões, no Amazonas”, além de “fluxo pela calha do Rio Japurá, na fronteira com a Colômbia, usada para abastecer dragas de garimpo ilegal no lado brasileiro”, registra o relatório.
Esses caminhos integram um circuito regional de entrada de mercúrio contrabandeado que tem origem principalmente na Bolívia e na Guiana.
O estudo afirma que “as populações indígenas e ribeirinhas estão entre as mais afetadas pela contaminação por mercúrio, com níveis de exposição alarmantes”. Entre os Yanomami, que habitam o Norte do estado, a média de exposição é de “3,78 µg/g, com 84% dos indivíduos apresentando níveis acima do limite de segurança da OMS”.
A exposição ocorre principalmente pelo consumo de peixes contaminados. O relatório observa que “as comunidades tradicionais em 100% das sub-bacias analisadas estão potencialmente em alto ou extremamente alto risco” de intoxicação, mencionando rios como o Tapajós, Uraricoera, Mucajaí e Xingu.
“O combate à mineração ilegal de ouro é, portanto, essencial para a redução das emissões e liberações de mercúrio no meio ambiente da Amazônia. O controle da circulação do mercúrio também é fundamental para evitar que a exposição se espalhe e que haja agravamento dos efeitos do mercúrio na saúde das populações indígenas da região”, cita trecho do documento.
O documento também cita operações policiais com desdobramentos no estado, como a Operação Hermes (Hg), conduzidas pela Polícia Federal e pelo Ibama entre 2022 e 2023. Foram identificadas fraudes envolvendo empresas e pessoas físicas no Amazonas. Segundo o texto, “contrabandistas brasileiros internalizavam mercúrio no país mediante recebimento de cargas diretamente de fornecedores chineses […] camufladas embaixo de cargas de tinta e potes de produtos cosméticos”.
O estudo defende ações coordenadas entre países amazônicos e recomenda a criação de uma rede de monitoramento ambiental e de saúde humana com laboratórios instalados na região. Para os autores, “não há como se falar em desenvolvimento sustentável para a Amazônia sem que a segurança pública seja considerada enquanto uma condição incontornável”.
A proposta é que o enfrentamento ao contrabando de mercúrio e à mineração ilegal se torne uma prioridade nas políticas ambientais e de segurança voltadas à região amazônica.
Mercúrio na Amazônia
O relatório mostra que o mercúrio é o principal insumo químico que sustenta a mineração ilegal de ouro na Amazônia. Produzido majoritariamente na China, responsável por 83% da produção mundial, o metal chega à América do Sul por rotas internacionais que envolvem Tajiquistão, Peru, Noruega, Bolívia e Guiana.
Como o Brasil não produz mercúrio, quase todo o material utilizado em garimpos entra por contrabando, especialmente pelas fronteiras da Bolívia e da Guiana, cruzando Rondônia, Roraima e o Oeste do Amazonas.
O estudo destaca que “as redes de contrabando do metal se articulam com organizações criminosas transnacionais, aproveitando brechas nas fronteiras e fragilidades institucionais dos países amazônicos”.
Além de sustentar o garimpo, o relatório cita que o mercúrio representa um grave risco à saúde pública. Quando despejado nos rios, transforma-se em metilmercúrio, substância altamente tóxica que se acumula em peixes e chega às populações humanas por meio da alimentação.
Entre os Munduruku, a média de contaminação chega a 6,6 µg/g, com 57,9% dos participantes acima de 6 µg/g, nível associado a sintomas neurológicos. O estudo recomenda ações coordenadas entre os países amazônicos para conter o tráfico de mercúrio, a criação de laboratórios regionais de monitoramento ambiental e de saúde, e o fortalecimento da fiscalização sobre a cadeia do ouro.
Rede de contrabando
Além do Amazonas, o relatório cita Roraima, Pará, Rondônia e Mato Grosso como áreas de destaque no contrabando e uso ilegal de mercúrio. Em Roraima, as apreensões de mercúrio em garimpos na Terra Indígena Yanomami e nas margens do Rio Uraricoera revelam a persistência da atividade ilegal, mesmo após operações de desintrusão. No Pará, o estudo menciona áreas como Cumaru do Norte e a Terra Indígena Kayapó, onde o garimpo “causou ampla devastação ambiental”.
O relatório também inclui imagens de sobrevoos realizados por agentes da Abin que mostram “extensas áreas degradadas pelo garimpo ilegal nas TIs Kayapó e Munduruku”, indicando o impacto direto da mineração sobre a floresta e os rios da região. Em Rondônia e Mato Grosso, o foco está nas fronteiras com a Bolívia, identificadas como uma das principais rotas de entrada do metal no Brasil.
Segundo o documento, “a maior parte do mercúrio ingressado na Bolívia era adquirida por meio de importações lícitas realizadas por empresas locais, amparadas por legislações permissivas”. Parte desse mercúrio é desviada e atravessa o território brasileiro, abastecendo garimpos em estados amazônicos.
A Bolívia e a Guiana funcionam como pontos estratégicos para o abastecimento da mineração ilegal. Na Guiana, o porto de Georgetown é citado como local de entrada de cargas legais e ilegais do produto, enquanto o metal boliviano chega ao Brasil por vias terrestres, passando por regiões próximas a Guajará-Mirim–RO e pelo Oeste do Amazonas.
Em toda a Amazônia, a presença dessas rotas e garimpos ilegais reforça, segundo o relatório, “a complexidade das cadeias ilícitas que operam na região, evidenciando sua articulação com redes criminais transnacionais”. A expansão da atividade garimpeira, alerta o estudo, continua a colocar em risco “a saúde das populações tradicionais e a capacidade do Estado de exercer controle territorial”.
Como caminhos para enfrentar o problema, o relatório recomenda ações conjuntas entre os países amazônicos, com trocas de informação e operações coordenadas para bloquear o tráfico de mercúrio nas fronteiras.
Também propõe a criação de laboratórios regionais para monitoramento ambiental e de saúde pública, além do fortalecimento da fiscalização sobre a cadeia produtiva do ouro e do comércio de mercúrio.
O texto reforça ainda a necessidade de “ampliar a capacidade de atuação do Estado frente ao crime organizado e garantir a proteção das populações vulneráveis”. Para os autores, o controle do contrabando e a redução do uso de mercúrio são medidas indispensáveis “para proteger a Amazônia, os povos indígenas e a soberania nacional”.


