
Nos últimos dias, as casas de câmbio têm lotado em toda a Argentina. Na ânsia de salvar suas economias, em meio a um cenário de inflação galopante e depreciação do câmbio, os argentinos têm procurado cada vez mais trocar pesos por dólar. A moeda americana bateu um recorde de valorização chegando a 196 pesos.
Não que o viés de alta seja novidade: com uma inflação de 52% entre janeiro e setembro deste ano, uma taxa de pobreza de 42% e um crescimento do PIB que não deverá repor as perdas de 2020 – sem falar na dívida externa de 44 bilhões de dólares –, a procura pela moeda americana não começou hoje. O temor de um descontrole inflacionário e de uma piora na economia, no entanto, vêm jogando o peso no fundo do poço.
“A aplicação de políticas que já não deram certo antes, como o congelamento de preços, a emissão de moeda para bancar gastos do governo e a falta de consenso político para negociar a dívida externa estão levando a um cenário de incerteza que se traduz, por exemplo, pela subida do dólar”, diz o economista argentino Martin Ravazzani, diretor da consultoria Ecolatina.
Em outubro, o governo decidiu tabelar os preços de mais de 1.400 produtos para controlar a inflação, repetindo uma medida já colocada em prática por governo anteriores – de Raúl Alfonsín, presidente da Argentina de 1983 e 1989 a Cristina Krishner, não faltam exemplos de mandatários que tentaram desafogar a economia apelando para o congelamento de preços.
No Brasil, medidas desse tipo ocorreram diversas vezes nas décadas de 80 e no início da de 90. Os economistas passaram a chamar o tabelamento de “loucura econômica”, até porque nunca deu certo.
Na Argentina, as sucessivas crises econômicas e um histórico de preços em alta levaram a população a preferir, há muito tempo, o dólar como reserva de valor. Depois da hiperinflação dos anos 80 e a crise econômica de 2002, quando o PIB caiu quase 10,9%, o governo chegou a proibir a remessa de recursos ao exterior, tal a procura pela moeda americana. Pelo menos nos últimos vinte anos, o dólar vem ocupando um papel central na vida cotidiana na Argentina, sendo aceito em diversos locais, em uma espécie de dolarização da economia.
Especialistas apontam também para um componente populista na crise da Argentina — desta e das passadas. “Dessa vez, o governo está de olho nas eleições legislativas, que acontecem em 14 de novembro, e acredita que segurar os preços pode ajudar”, diz o economista argentino Fabio Giambiagi, pesquisador associado da Fundação Getúlio Vargas. “A história já mostrou que isso não funciona. Além disso, em janeiro, quando acaba o tabelamento, provavelmente haverá uma escalada de preços ainda maior”.
A crise na Argentina começou a assumir contornos mais dramáticos com a pandemia, que derrubou o PIB do país em quase 10% em 2020 – este ano, a expectativa de crescimento é de 7,6%. A economia já passava por maus momentos. Desde 2017, quando o PIB cresceu pela última vez (2,8%), o poder aquisitivo da população caiu 16%. Não é resultado tão ruim comparado ao de outros países da América Latina.


