Candidato a um cargo no Legislativo, José Melo diz que o atual senador da República, Omar Aziz, era o governador na época do roubo da saúde no estado apurado pela Operação Maus Caminhos, e que Eduardo Braga é pior que o coronavírus
O ex-governador do Amazonas José Melo (PROS), cassado e preso pela Polícia Federal por irregularidades em 2017, está de volta a política. De olho numa cadeira na Assembleia Legislativa do Estado (Aleam) nas eleições do ano que vem, ele quebrou o silêncio e, numa série de entrevistas aos veículos de comunicação de Manaus, abriu o verbo e disparou contra ex-aliados. Comparou o senador do MDB e ex-governador amazonense, Eduardo Braga, com a pandemia da Covid-19, e afirmou que o também senador e ex-governador Omaz Aziz, é que era o governador quando a quadrilha assaltou os cofres da saúde pública do Amazonas.
Em sua última entrevista ao portal CM7, Melo ele disse que é inocente e apontou na direção de Aziz, que segundo ele, estava no governo quando a quadrilha comandanda pelo médico Mouhamad Moustafa, desviou mais de 200 milhões para empresas terceirizadas. Familiares de Omar Aziz – irmãos e a mulher, atual deputada estadual, Nejmi Aziz – chegaram a ser presos pela PF e ele mesmo está com o passaporte retido e não pode deixar o país.
Na revelação mais forte, ele disse que pensou em se matar e que chegou a escrever à mão um documento com mais de 100 laudas onde colocava os ‘pingos nos is’, explicando toda sua história e trajetória de vida. Isso só não se concretizou porque ele teve um encontro com a sua neta que o fez mudar de ideia.
Melo procurou esclarecer que não era o chefe da organização criminosa instalada no governo da época. Disse que não tinha dinheiro nem para pagar R$ 200 mil de fiança para sair da cadeia. Nas entrelinhas, deixou transparecer que a responsabilidade era do cabeça da chapa – ele era vice de Omar Aziz, que havia assumido o governo com a saída de Eduardo Braga para o Senado, e eleito para governar o estado a partir de 2011.
“Eu dentro da minha cela fui estudar o processo e vi todas as reentrâncias e saliências daquele processo. As citações da PF ao meu respeito nesse processo eram assim: ‘a quadrilha era formada a época em que era governador (Omar Aziz), José Melo de Oliveira era vice e não consta no processo nenhum indicativo que ele tenha feito parte da formação da quadrilha’. Ai pegaram mais umas mensagens do Mouhamad Moustafa dizendo que havia acabado de sair da casa do governador (Omar Aziz)”, revelou Melo na entrevista.
Melo também declarou que ficou sabendo quem era o médico Mouhamed Mustafa, quando era vice-governador e que o Estado, na época, ainda era comandado por Aziz. Ele teria recebido a ‘herança maldita’. Um depoimento prestado nas investigações que apuram os desvios de mais de R$ 260 milhões pela Operação Maus Caminhoes da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, aponta que o empresário investigado pagou despesas em Brasília do senador.
Até hoje o senador está com bens bloqueados e com passaporte retido em razão dessas investigações que ocorrem dentro da Operação Maus Caminhos. ““QUE o senhor Mouhamed Moustafa arcou com essa despesa extra de RS 6.000,00 do aluguel dos móveis QUE acompanhou o pagamento…”, diz um trecho do depoimento de Nafice Valoz, que foi secretária de Estado de Relações Institucionais e Representações durante todo o período do mandato de Omar Aziz, no período em ele era governador, entre 2011 e 2014.
“Eu não fiz parte da quadrilha que desviou dinheiro da saúde. A citação do processo da Polícia Federal (PF) constava que a quadrilha foi criada na gestão do governador (Omar Aziz) quando eu era vice”, fez questão de dizer.
“Consta nos autos que a quadrilha foi formada na época em que eu era simplesmente o vice-governador, não consta no processo nenhum indicativo que tenha dela participado, quando eu assumi o governo os três centros de saúde onde o Mouhamad Moustafa e as empresas dele estavam já estavam funcionando. […] Eu as herdei e ai que fui saber que a Secretaria de Saúde tinha 630 contratos”, completou.
Questionado sobre o fato de Omar Aziz não tê-lo ajudado no momento mais difícil, Melo respondeu com uma metáfora. “Eu e essas pessoas (Omar Aziz e Eduardo Braga) fomos durante muito tempo o rio Negro e o Solimões que se juntaram para formar o Amazonas, do ponto de vista político. Hoje nós somos óleo e água, não nos misturamos nunca mais. No entanto, quem virá a julgar essas pessoas é a justiça e Deus. Eu já paguei um preço alto pelo que não fiz”, declarou.
Melo também disse que Braga, ao arquitetar sua queda, acabou fazendo com que o grupo político que eles faziam parte se esfacelasse nas eleições seguintes. E ao se referir ao senador do MDB, disse que se ele fosse um vírus, seria o coronavírus, numa referência a letalidade da pandemia de Covid-19 disseminada por ele.
“Se Eduardo Braga fosse um vírus seria o Covid-19”, afirmou Melo enfatizando o boicote sofrido por ele do então governador. Se dizendo vítima, ele se refere a Braga com resentimento. “Fui vítima de uma pessoa que eu confiava e que o povo do Amazonas confiava, e espero que não confie mais”.
Saiba mais
Melo foi preso pela Polícia Federal, onde teve o mandato cassado pelo TSE acusado de comprar votos nas eleições de 2014. A prisão de Melo fez parte da operação Estado de Emergência, 3° fase da Operação Maus Caminhos que investigou desvios de agentes públicos no Amazonas.
Edilene Oliveira, esposa de José Melo, também foi presa, os dois foram acusados de ameaçar testemunhas da Operação Custo Político e também de ocultar e destruir elementos de provas.
Em 2018, Melo e Edilene deixaram a prisão mediante a pagamento de fiança no valor de R$ 381,6 mil e uso de tornozeleira eletrônica.
Maus Caminhos
A Operação Maus Caminhos investiga corrupção do maior volume de recursos públicos por integrantes da alta cúpula governamental com várias fases de desdobramentos conduzida pelos órgãos de fiscalização e controle no Amazonas. O valor dos desvios não foi definido, mas estima-se que ultrapasse a casa dos R$ 200 milhões.
Mustafa era o líder. Ele tinha, segundo as investigações, uma gerente para os negócios e de outros funcionários de suas empresas que exerciam importantes funções administrativas no esquema, além de um grupo de quatro empresas por meio das quais conseguia reverter parte do dinheiro desviado por meio de contratos superfaturados que voltavam para ele.
Quebras de sigilo fiscal e bancário nas investigações revelaram que, dos quase R$ 900 milhões repassados, entre 2014 e 2015, pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS) ao Fundo Estadual de Saúde (FES), mais de R$ 250 milhões teriam sido destinados a empresa de Mouhamed Mustafa, o Instituto Novos Caminhos.
Em uma das fraudes, o INC pagou a uma das empresas do grupo criminoso mais de R$ 1 milhão por um serviço que poderia ser adquirido pelo Estado por R$ 318 mil – valor cobrado pela empresa desenvolvedora de um sistema de gestão, um superfaturamento de quase 400%.
No período de 2012 a setembro de 2016, Mouhamad passou a entregar a quantia de R$ 40 mil mensais a Murad Aziz, irmão do senador Omar Aziz. O repasse era feito sempre após o pagamento de contratos de suas empresas pelo estado, repartindo o lucro com o “primo”, como se chamavam mutuamente nas dezenas de conversas interceptadas.
A Maus Caminhos segue em andamento. Ano passado, a Justiça Federal condenou 11 réus em ação penal, sendo três deles também condenados por obstrução de investigação. A sentença coube recurso.
Entre os condenados estão empresários, gestores do Instituto Novos Caminhos (INC) e de unidades de saúde. Em trechos da sentença de condenação, são citados a extravagância ostentada pelos membros da organização com o dinheiro desviado.
Em uma delas, Moustafa, conta por telefone que distribuiu aleatoriamente R$ 100 mil na rua, em pacotes de mil reais, durante o Natal de 2015. Na outra, ele fala de gastos milionários que tem para sustentar familiares e com bens de alto valor como apartamentos, lancha e automóveis de luxo.