Vendida por WhatsApp e com potentes efeitos estimulante e alucinógeno, o “lança-perfume da nova geração” vira um desafio para a polícia

Rave em São Paulo: droga usada livremente pelos millennials
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Enquanto o DJ toca para a pista abarrotada um remix dançante de Mania de Você, antigo hit de Rita Lee, os integrantes da roda se servem da substância como se estivessem tendo acesso a um pote de ouro. Com o dedo, levam o conteúdo direto à língua (há quem prefira diluí-lo na água). O consumo não ocorre escondido dos olhos de ninguém, dura menos de trinta segundos, e demora entre dez e vinte minutos para o negócio percorrer a corrente sanguínea e bater no cérebro.
Nas horas seguintes, os usuários vão experimentar seus potentes efeitos estimulantes e alucinógenos. Inundado pela química que altera a regulação dos neurotransmissores, o organismo fica em estado de hipersensibilidade, o que amplia percepções como o sentimento de prazer.
A substância em questão é uma das drogas mais potentes e perigosas já desenvolvidas em laboratório: o MDMA (sigla para 3,4-metilenodioximetanfetamina). Os mais íntimos a chamam apenas de MD. Ela é também conhecida por apelidos como “Michael Douglas”, “Madonna” ou “Molly”. Trata-se de uma espécie de versão melhorada do ecstasy, a denominada pílula do prazer, que perdeu parte da popularidade entre os jovens com maior poder de compra, sobretudo os millennials, quando passou a ser misturada pelos traficantes a substâncias como bicarbonato de sódio, provocando efeitos colaterais como vômitos e diarreias.

Considerado muito mais puro, o MDMA desembarcou no Brasil há mais de dez anos e, por essas e outras “vantagens”, transformou-se nos últimos tempos no mais procurado combustível sintético de adolescentes e adultos de classe média alta. O uso disseminado fez a droga fabricada em laboratório ser apontada como o lança-perfume dos novos tempos, sendo um dos aditivos mais usados em blocos e bailes de Carnaval.
Virou também elemento da cultura pop, com citações em letras de música, sobretudo funk, além de menções em estampas de camisetas de marcas famosas. Há riscos enormes no consumo do entorpecente, mas que são desprezados por grande parte dos usuários.
O MDMA provoca distúrbios importantes no organismo e, em casos extremos, leva à morte por falência hepática, hipotermia ou parada cardíaca.
Para as autoridades encarregadas da repressão às drogas no Brasil, um dos alarmes que despertaram atenção foi o aumento substancial de apreensões desses sintéticos no país. Só no Estado de São Paulo essas ações tiveram crescimento de cerca de 360% no primeiro semestre de 2019 em comparação ao mesmo período de 2018.
Nesse espaço de tempo, flagras relacionados a cocaína e crack evoluíram em torno de 80%. A denominação “sintéticos” abriga vários tipos de droga, incluindo o ecstasy, mas os especialistas atribuem ao MDMA o papel de ter inflado os números.
Por isso, recentemente, criou-se uma categoria específica para ele a fim de monitorar de perto o fenômeno. Mais preocupante ainda é que os dados podem não refletir o tamanho da encrenca. Diferentemente da maconha e da cocaína, o MDMA é inodoro e pode passar despercebido pela fiscalização. Para comprovar que a substância é ilícita, é necessário fazer um teste químico minucioso.
“Às vezes, o MDMA vem escondido em frascos de remédio ou dentro de comprimidos”, diz o delegado Fabrizio Galli, chefe da área de entorpecentes da Polícia Federal de São Paulo. Outro problema: pouca droga faz a cabeça de muita gente. Com 1 grama, vendido a partir de 150 reais, é possível garantir a euforia de um grupo de dez pessoas ao longo de uma noite inteira.
Ao contrário do que ocorre com a cocaína e a maconha, vendidas em locais que vão de favelas à entrada de grandes casas noturnas no Brasil, a comercialização do MDMA se dá no mundo digital, via aplicativo WhatsApp. Quando o dealer é íntimo do cliente, os pedidos são feitos por mensagens diretas no Instagram e no Messenger.

O MDMA surge prometendo o que é impossível: combinar o uso de drogas com um estilo de vida mais saudável. “Na ilusão de tomarem algo que não é vendido pelo PCC e agride menos o corpo que o ecstasy, os jovens dão um tiro no escuro”, alerta a professora Zila Sanchez. “Já há MDMA adulterado com metanfetamina, com alto poder de vício, e trazido ao Brasil por traficantes do crime organizado”, completa. A viagem alternativa dos millennials tem tudo para virar uma tremenda bad trip.