Transmissão Vetorial – ocorre quando o barbeiro pica e defeca na pele. Ao coçar, a pessoa pode levar o parasita para dentro do corpo.

As mudanças climáticas estão alterando de forma silenciosa, mas progressiva, o cenário de saúde pública na Amazônia. Além dos impactos já observados em enchentes, estiagens e surtos de doenças como dengue e malária, um novo alerta científico aponta para a reemergência de uma enfermidade negligenciada: a Doença de Chagas.
No Amazonas os últimos registro da doença foram registrados em abril deste ano. Foram dois casos da forma aguda da Doença de Chagas – segundo a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas – Dra. Rosemary Costa Pinto (FVS-RCP). Os registros ocorreram por vias distintas: um por transmissão vetorial, através do contato direto com o inseto barbeiro, e outro por via oral, relacionada ao consumo de alimento contaminado.
As projeções agora, indicam que, até 2080, haverá aumento significativo da presença de insetos vetores do protozoário Trypanosoma cruzi, causador da doença, em áreas da floresta amazônica atualmente consideradas de baixo risco, especialmente no oeste do Pará e norte do Amazonas.
Coordenado pelo professor Leandro Schlemmer Brasil (UFMT), o estudo utilizou modelagem de nicho ecológico, técnica que combina dados biológicos e ambientais, para analisar mais de 11 mil registros de ocorrência de 55 espécies de barbeiros, insetos vetores do protozoário Trypanosoma cruzi, causador da doença.
O risco foi detalhado por uma equipe de pesquisadores brasileiros e britânicos em artigo publicado na revista científica Medical and Veterinary Entomology. O trabalho é assinado por especialistas da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), Instituto Evandro Chagas (IEC) e Universidade de Bristol (Reino Unido).
Barbeiros podem chegar a áreas antes livres da doença
De acordo com os pesquisadores, a elevação das temperaturas, somada ao desmatamento e à degradação de ecossistemas, está favorecendo o deslocamento dos vetores para regiões mais úmidas e densamente florestadas, onde antes sua presença era limitada. Esse avanço pode surpreender os sistemas locais de saúde, que não possuem estrutura para lidar com uma possível disseminação da doença.
“O mapeamento que apresentamos identifica áreas hoje consideradas seguras, mas que podem se tornar zonas de risco. Essa informação permite antecipar ações de prevenção e fortalecer a vigilância entomológica antes que a transmissão se intensifique”, explica Schlemmer.
A pesquisa mostra que as mudanças climáticas podem atuar como um gatilho para desequilíbrios ecológicos que reativam a transmissão de doenças negligenciadas em novos territórios, exigindo respostas mais ágeis dos sistemas públicos de saúde.
A Doença de Chagas: da floresta à zona urbana
Descrita pela primeira vez em 1909 pelo médico brasileiro Carlos Chagas, a doença é causada pelo Trypanosoma cruzi e transmitida principalmente por barbeiros, insetos hematófagos que vivem em áreas silvestres, mas que podem se alojar em habitações humanas precárias. Historicamente associada a zonas rurais e populações em vulnerabilidade social, a doença ainda mata milhares todos os anos.
Entre 1999 e 2007, o Brasil registrou, em média, 6 mil óbitos anuais por Doença de Chagas, o equivalente a 43% de todas as mortes causadas pela enfermidade na América Latina.
Embora muitos infectados permaneçam assintomáticos, cerca de 30% desenvolvem formas graves, como insuficiência cardíaca crônica e megacólon.
Apesar de o Brasil ter recebido da Organização Pan-Americana da Saúde, em 2006, a certificação de eliminação da transmissão pelo vetor Triatoma infestans, outras espécies continuam circulando, mantendo o risco ativo em diversas regiões do país.
Mapa de risco orienta estratégias antes que surjam surtos
O diferencial da pesquisa está na criação de um mapa de risco que indica, com base em dados climáticos e ecológicos, as regiões que podem registrar aumento na presença dos vetores até 2080. As áreas destacadas em vermelho no mapa representam os locais com maior tendência de crescimento na ocorrência de barbeiros.
Essas informações oferecem suporte técnico para a formulação de políticas públicas, como campanhas educativas, ações preventivas nas comunidades mais vulneráveis e investimentos em saneamento e moradia digna. Também orientam o fortalecimento da vigilância entomológica, com monitoramento ativo das populações de barbeiros.
Para os autores, assim como há mapas de risco para alagamentos ou queimadas, é possível estruturar mapas de risco para doenças tropicais, possibilitando que gestores ajam com antecedência e evitem que novos surtos se transformem em calamidades públicas.
Como prevenir a Doença de Chagas
Transmissão Vetorial – ocorre quando o barbeiro pica e defeca na pele. Ao coçar, a pessoa pode levar o parasita para dentro do corpo.
Principais cuidados:
- Vedação de rachaduras em paredes;
- Uso de telas em portas e janelas;
- Higiene da casa e arredores;
- Uso de proteção individual como repelentes, roupas de manga longa e etc.
Transmissão oral – ocorre pela ingestão de alimentos, como açaí, buriti, abacaba, cana-de-açúcar, entre outros, contaminados com fezes ou fragmentos do barbeiro.
Principais cuidados:
- Lavar bem frutas antes do consumo ou preparo.
- Comprar polpas de açaí e outros produtos de locais inspecionados.
- Evitar consumir alimentos crus de origem duvidosa.
Saúde climática deve entrar na pauta da COP 30
A pesquisa propõe que a saúde seja incorporada com maior peso nas discussões internacionais sobre clima, especialmente na próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), marcada para novembro de 2025, em Belém (PA).
“A crise ambiental também é uma crise de saúde e de justiça social”, afirmam os autores. Populações com menor acesso a serviços básicos serão as mais afetadas pela combinação de degradação ambiental e avanço de doenças tropicais. Segundo eles, a ciência pode ajudar a antecipar cenários, guiar políticas públicas e reduzir desigualdades, desde que suas evidências sejam incorporadas à tomada de decisões.