
A leitura perdeu espaço no cotidiano dos brasileiros e, no Amazonas, a situação é ainda mais grave. Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil – 2024, divulgada neste mês, o percentual de leitores no estado caiu de 52%, em 2019, para 36% em 2024 — uma das maiores quedas entre os estados brasileiros.
A pesquisa, considerada a principal radiografia do comportamento leitor no país, está em sua 6ª edição e foi realizada pelo Instituto Pró-Livro. O estudo avalia aspectos como hábitos de leitura, motivações, gêneros preferidos, acesso a livros físicos e digitais, e o papel das escolas e famílias na formação de leitores.
Queda regional
A Região Norte como um todo também apresentou a maior redução no índice de leitores: de 63% em 2019 para 48% em 2024. Já o número médio de livros lidos por pessoa ao ano caiu de 5,3 para 3,38 na região.
Para escritores amazonenses, esses números refletem uma realidade já sentida no dia a dia: o desinteresse pela leitura e a dificuldade de formar novos leitores.
“O desânimo é constante. Não é fácil conquistar leitores no Amazonas. Vender livros é um grande desafio”, afirma o escritor e estudante de Geografia, Vitor Gusmão.
Segundo ele, o mercado literário é ainda mais limitado para autores independentes e obras com temáticas regionais. “Temos uma produção rica, mas que não chega ao grande público. Muita gente só é incentivada a ler autores de fora”, acrescenta.
Cultura digital e rotina exaustiva
Além da falta de políticas públicas de incentivo, o avanço das redes sociais e o ritmo acelerado da vida moderna também são apontados como fatores que contribuem para o afastamento da leitura.
“O que estamos vendo é uma mudança cultural profunda. A rotina tem sido tão cruel que não há tempo para contemplação. A leitura acaba sendo deixada de lado”, avalia o professor de Literatura e Escrita Criativa, Jan Santos.
Ele também destaca o impacto das mídias digitais e das transformações sociais sobre os hábitos de leitura. “Estamos inseridos numa cultura que transforma tudo em produção. Esquecemos que não somos máquinas. A falta de tempo e a ausência de prazer pela leitura são os principais motivos apontados pela pesquisa — e isso se reflete diretamente aqui no Amazonas.”
Literatura regional ainda pouco valorizada
Para os autores ouvidos pela reportagem, a literatura regional ainda sofre com a invisibilidade e o desinteresse institucional. “Falta valorização das nossas vozes. Mesmo em feiras literárias, muitas vezes o foco não está no livro. E, pior: nem sempre os autores locais são convidados a participar”, denuncia Gusmão.
Ele defende que a inclusão de obras nortistas nas escolas pode ser um caminho para formar novos leitores. “Desde livros infantis até poesia e conto regional, há uma variedade de obras que poderiam alcançar os estudantes se houvesse vontade política.”
Jan Santos reforça a importância de aproximar o leitor da sua própria identidade cultural. “As histórias da floresta, por exemplo, nos ensinam outro tempo: o das sementes, e não o do lucro. Falar das nossas literaturas é resistir a esse ritmo imposto que nos distancia da leitura.”
Projetos e caminhos possíveis
Apesar das dificuldades, iniciativas locais têm demonstrado resultados positivos. Ambos os escritores já participaram de ações como a Semana da Literatura Amazonense, o Dia D da Leitura e o projeto “Lê Pra Mim”, voltado para crianças nas escolas.
“É emocionante ver o encantamento dos alunos ao ouvir histórias. Muitos nunca tinham tido contato com livros de autores da própria terra”, relata Jan Santos.
Gusmão também compartilha experiências positivas com eventos em escolas. “É uma oportunidade para que os professores conheçam o nosso trabalho. Já fui chamado para visitar instituições e ver meus livros sendo usados como ferramenta de estímulo.”
Ambiente digital: aliado com limites
O ambiente virtual é, para os dois escritores, uma ferramenta importante para visibilidade. Vitor Gusmão conseguiu levar uma de suas poesias a um livro didático após vencer um festival nacional. “A internet abriu portas. Meu texto foi parar em materiais escolares e ganhei convites para visitar escolas de outros estados.”
No entanto, Jan Santos pondera que o digital também impõe desafios: “Precisamos dominar esse espaço, mas ele funciona com algoritmos que favorecem quem já tem visibilidade. O autor independente precisa ser duplamente letrado: na escrita e na tecnologia.”