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Roraima exportou 771 kg de ouro em 3 anos, mesmo sem ter garimpo legal

Nesse período, as vendas, sempre para a Índia e Emirados Árabes, ultrapassaram os US$ 34 milhões (o equivalente a R$ 141 milhões).

O estado de Roraima exportou 771 quilos de ouro nos últimos três anos para países como a índia e o Emirados Árabes Unidos, mesmo sem ter qualquer garimpo operando legalmente. Os dados são do Comex Stat, portal do Ministério da Economia sobre comércio exterior, e apontam que quase metade desse minério foi vendido só nos últimos dois meses.

Na última sexta-feira (6), a operação Hespérides da Polícia Federal prendeu 18 pessoas que faziam parte de uma rede de contrabando e desvendou um esquema que explica como o minério foi parar na balança comercial do estado.

A quadrilha tinha participação de empresários venezuelanos, além de servidores públicos federais e estaduais. Cinco investigados estão foragidos. Foram apreendidos na operação cerca de R$ 1,5 milhão em espécie (entre reais e moedas estrangeiras), mais de 100 kg de ouro, 70 Kg de prata e 22 carros de luxo.

De acordo com as investigações, o ouro que saía de Roraima era “requentado” como sucata de joias a partir de notas fiscais falsas emitidas por uma empresa sediada em Pacaraima, cidade na fronteira com o Sul do país vizinho, região onde ficam os garimpos venezuelanos.

Depois que saía da região de fronteira, o minério era transportado a cidade de Caieiras, em São Paulo, onde uma outra empresa fazia a exportação, “já com aparência lícita, para os Emirados Árabes Unidos e Índia”, segundo a Receita Federal.

Dessa forma, segundo a PF, o grupo conseguia lucrar mais do que ganharia se vendesse o minério no mercado negro e também escapava de tributação federal. A receita estima que se a importação ocorresse de forma regular a dívida em tributos federais chegaria a R$ 26 milhões sem contar juros e multas.

“Com o ‘esquentamento’ eles conseguem atingir lá no final da cadeia o preço internacional do ouro, que nessa semana bateu R$ 198,50 o grama. Se a empresa mantivesse o ouro na ilegalidade, ela compraria, por exemplo, a R$ 120 o grama e venderia a R$ 140″, explicou o delegado responsável pela investigação, Vinicius Venturini. “A partir do momento que a organização esquenta esse ouro e dá uma aparência de legalidade, ela consegue pular de R$ 120 a quase R$ 200 o valor do grama”.

Conforme os dados do Comex Stat, o ouro apareceu pela primeira vez nos dados de exportação de Roraima ainda em 2017, mesmo ano em que a PF começou a investigação sobre o contrabando do minério, e desde então deu um salto. Em três anos, as vendas, sempre para a Índia e Emirados Árabes, ultrapassaram os US$ 34 milhões (o equivalente a R$ 141 milhões).

A alta nas exportações do ouro bateu recorde nos meses de outubro e novembro deste ano, quando o estado vendeu um total de 369 quilos de ouro. O montante quase equivale aos 402 kg exportados entre outubro de 2017 e setembro deste ano.

“Esse quantitativo de ouro que saía de Roraima e ia para os dados estatísticos dos órgãos foi praticamente todo operado pelos investigados”, disse o delegado Venturini. “Nós fizemos um comparativo no começo do ano e os números de exportação bateram com o que a empresa movimentava”.

O dado já havia chamado atenção da Secretaria de Planejamento do Estado (Seplan), que acompanha os índices de exportação de Roraima, e também intrigava policiais federais, procuradores e técnicos da Agência Nacional de Mineração (ANM), conforme revelou a BBC em junho.

Além de ter ido parar na balança comercial do estado, com o salto nos últimos dois meses o ouro passou a ser o principal produto exportado por Roraima, ultrapassando até mesmo a soja, que historicamente liderava o ranking, explicou o economista da Seplan, Fábio Martinez.

Segundo o economista, há três anos a exportação do ouro praticamente não era percebida nas estatísticas oficiais. A série histórica que consta no sistema do Comex Stat começou em 1997 e até outubro 2017 não apontava nenhuma quantidade de ouro entre os produtos exportados pelo estado.

“Sabíamos que não existem jazidas legais em Roraima e isso nos intrigava. Além disso, para a nossa surpresa, o ouro acabou se tornando em 2019 o principal produto de exportação de Roraima”, afirmou Martinez.

A PF não detalhou quanto da 1,2 tonelada de ouro que o grupo contrabandeou ao longo dos últimos três era oriunda da Venezuela e dos garimpos clandestinos em Roraima, mas estima que a maior parte veio do país vizinho.

A investigação começou em 2017, quando houve a apreensão de 130g de ouro no aeroporto de Boa Vista. O metal era destinado à empresa investigada e estava acompanhado de uma nota fiscal falsa de “sucata de ouro”.

Em Roraima, a maior parte dos garimpos ilegais que funcionam atualmente estão concentrados na Terra Indígena Yanomami, área que tem quase 10 milhões de hectares e onde vivem cerca de 27 mil índios.

A estimativa da Funai é que há entre 7 e 10 mil garimpeiros operando ilegalmente na região, mas a Hutukara Associação Yanomami denuncia a presença de 25 mil garimpeiros na área.

No fim do mês passado, lideranças da região divulgaram uma carta aberta que alertaram para o risco de um massacre na reserva.

No documento, assinado por 116 lideranças, os povos Yanomami e Yekuana cobraram que o governo retire os garimpeiros que estão na região e impeça a entrada de novos, citando tensão e casos de violência que ocorrem na área em razão da presença de invasores.

Mês Quantidade País de destino
Janeiro 57 kg Índia
Fevereiro 43 kg Índia
Março 5 kg Índia
Abril 7 kg Índia
Maio 45 kg Emirados Árabes; Índia
Junho 49 kg Emirados Árabes; Índia
Julho 82 kg Emirados Árabes
Agosto 48 kg Emirados Árabes; Índia
Setembro 20 kg Emirados Árabes
Outubro 196 kg Emirados Árabes
Novembro 173 kg Índia

Fonte: Comex Stat

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