Maioria da Corte concorda que delatados têm o direito de se manifestar por último em processos, mas falta definir quais serão os limites deste entendimento
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira, 2, o julgamento de um recurso com potencial de impactar dezenas de sentenças da Operação Lava Jato, incluindo a do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os ministros discutem se delatados têm o direito de apresentar suas alegações finais apenas depois das manifestações dos delatores. Já há maioria formada em favor da tese de que os delatores devem se manifestar por último, mas falta decidir a chamada “modulação dos efeitos” — ou a adoção de critérios para limitar o alcance da decisão do STF.
Até agora, apenas os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux afirmaram que não há prejuízo ao réu se as alegações finais ocorrerem ao mesmo tempo. O posicionamento que vem prevalecendo no plenário é que o delatado, com base no princípio constitucional da ampla defesa, deve ter a chance de rebater as afirmações que foram levadas ao processo pelo delator — que assumiu compromisso com a acusação. Faltam votar os ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio, que devem seguir a maioria.
Com a formação da maioria em favor do direito de defesa dos réus, o que ainda está indefinido é o alcance que esta decisão vai ter. Os procuradores da Lava Jato argumentam que a decisão do STF pode levar à anulação de 32 sentenças envolvendo 143 dos 162 condenados na operação. Isso porque os casos voltariam à fase das alegações finais, etapa anterior à sentença de primeira instância, e alguns condenados poderiam ser liberados.
O ministro Gilmar Mendes acredita que deve prevalecer a proposta de seu colega Alexandre de Moraes, que sugere a aplicação de medidas apenas em processos nos quais os réus reclamaram o direito de falar por último em primeira instância. Este é a situação de Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras, e que suscitou o debate que levou à anulação da primeira sentença do ex-juiz Sergio Moro. O presidente do STF, Dias Toffoli, já defendeu publicamente a criação de um limite para atenuar o alcance da decisão.
Outro cenário possível da modulação dos efeitos é que a decisão só passe a valer para novos casos, sem retroagir para processos com sentença. É o que defende o ministro Barroso e é o principal contraponto à tese de Moraes. Outros desfechos possíveis — embora mais improváveis — para a aplicação da decisão é que ela se estenda automaticamente para todos os casos, mesmos os já decididos e independentemente de manifestação da defesa, ou simplesmente deixar que o Judiciário analise cada um deles individualmente.
O recurso em julgamento hoje é um habeas corpus apresentado por um ex-gerente da Petrobras, Márcio de Almeida Ferreira, que argumenta que o critério processual que estabelece que os delatados devem se manifestar após os delatores não foi respeitado no julgamento em que ele foi condenado.
A discussão foi levada a plenário pelo ministro Edson Fachin depois que a 2ª Turma do STF anulou a decisão que condenou Bendine e fez o processo voltar à fase de alegações finais, garantindo ao ex-presidente da Petrobras o direito de se manifestar por último. O magistrado argumentou ser necessário uniformizar o entendimento das duas Turmas do STF sobre o tema.
Logo após a decisão no processe de Bendine, o ministro Fachin, que é relator das ações da Lava Jato no Supremo, também determinou que uma ação que tem Lula como réu e está pronta para sentença volte à fase anterior. Trata-se do processo em que o ex-presidente é acusado de receber 12,9 milhões de reais em propina pela Odebrecht ao petista por meio da compra de um terreno que abrigaria o Instituto Lula, em São Paulo, e uma cobertura vizinha à do petista em São Bernardo do Campo (SP).