Dois em cada três municípios ameaçados estão nessas regiões. Rio Grande do Sul perderia 46% das cidades caso avance projeto do governo
Os estados das regiões Sul e Sudeste concentram dois terços dos municípios pequenos que podem ser extintos se prosperar projeto apresentado neste mês pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que pretende passar a administração dessas áreas a cidades vizinhas.
A iniciativa faz parte da Proposta da Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo, enviada pelo governo ao Senado e que reorganiza o estado brasileiro.
A ideia é acabar com cidades com até 5 mil habitantes e menos de 10% de receita própria, ou seja, de impostos locais, como o IPTU. Cerca de uma em cada cinco cidades pode ser extinta.
O líder em municípios ameaçados é o Rio Grande do Sul, que perderia 46% de suas administrações locais – 229 cidades das 497 do estado, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam).
A entidade que cruzou informações de municípios menos de 5 mil habitantes – 1.254 segundo o IBGE – com dados de arrecadações municipais divulgados pelo Tesouro Nacional para constatar que 1.191 preenchem as regras para serem extintos, sendo 787 no Sul e no Sudeste. Cerca de 40 cidades não puderam ser analisadas por falta de informações.
A maioria dos municípios afetados é desconhecida nacionalmente e mesmo dentro dos estados, caso de União da Serra, no norte do Rio Grande do Sul, e que tem apenas 1.154 habitantes. A exceção fica por conta de São José dos Ausentes, importante polo do turismo localizado na serra gaúcha e conhecido por seus cânions e pelo clima frio – a cidade tem apenas 3.527 habitantes.
Também aparecem com destaque entre os estados afetados pela medida Paraná e Santa Catarina. Minas Gerais perderia cidades como Serra da Saudade, o menor município do país com 781 habitantes, e São Paulo perderia Glicério, município onde nasceu o presidente Jair Bolsonaro. Já o Rio de Janeiro, Roraima e Acre não perderiam nenhuma cidade.
Critérios
Para Alexandre Albuquerque Santos, superintendente da área de desenvolvimento Social do Ibam, o resultado surpreende em parte em razão dos grandes vazios territoriais do Norte e do Centro-Oeste.
Um exemplo é Altamira, município do Pará maior que vários estados brasileiros em extensão. No entanto, algumas cidades desses estados acabam abrangendo diferentes povoados e superam a marca de 5 mil habitantes. Já no Sul e Sudeste, muitas cidades pequenas se formaram a partir de pequenos núcleos urbanos originados a partir da agricultura local e que foram crescendo, ganhando serviços e se desmembrando.
Santos opina que os critérios pretendidos pelo governo federal para fechar cidades – número de habitantes e receita própria baixa – não deveriam ser os únicos aspectos analisados. “Cada município tem um papel diferente e tudo precisa ser considerado. É preciso avaliar Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), PIB per capita, emprego. Há cidades pequenas com bom funcionamento”, afirma.
Segundo o superintendente, também é preciso avaliar se o município que vai absorver tem condições para isso, já que sua receita não terá grande alteração – boa parte da verba das cidades menores vem do Fundo de Participação dos Municípios, gerido pela União e cujas transferências são previstas na Constituição. Nesse sentido, defende o especialista, é preciso avaliar também a localização e se a administração de uma área por outra cidade seria fácil. No caso de uma região metropolitana, pode-se estudar a criação de agências metropolitanas, diz.
Entidades
As principais entidades que representam municípios e prefeitos criticam a proposta do governo federal. A Frente Nacional de Prefeitos (FNP) disse ser oportuno revisitar as regras sobre as competências dos municípios, mas que causa “indignação” a falta de diálogo com prefeitos no encaminhamento dessa “proposta unilateral”.
Segundo nota da entidade, a proposta do governo dialoga com modelos adotados em outros países, como por exemplo na França, onde municípios com arrecadação inferior a 30% da receita própria têm que transferir algumas de suas competências para outras esferas governamentais ou fazer arranjos institucionais, como consórcios.
“Em um país de dimensões continentais, a alternativa mais adequada não passa necessariamente pela diminuição no número de municípios; deveria passar preliminarmente pela combinação de medidas estruturantes, dentre as quais, um novo desenho para a distribuição de competências entre os entes federados, o incentivo ao consorciamento, a revisão na destinação de recursos para as Câmaras Municipais e a implementação de um índice oficial que meça a eficiência na arrecadação dos tributos próprios dos entes subnacionais”, diz.
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) também realizou estudo sobre as cidades ameaçadas e encontrou 1.217 municípios na mira do governo. Veja a lista.
A entidade criticou a proposta e afirma que ela mostra “falta de conhecimento acerca da realidade brasileira”. Segundo a CNM, 82% das mais de 5 mil cidades brasileiras não alcançam o patamar de 10% de receita própria, incluindo a capital de Roraima, Boa Vista, que possui quase 400 mil habitantes.
A entidade afirma que o atendimento à população e os serviços públicos prestados devem ser critérios primordiais nessa análise. “Afinal, é para isso que serve o poder público – prestar e entregar condições básicas para que seus cidadãos possam progredir e produzir, pagar impostos e promover o crescimento econômico e social. Somente assim o Brasil pode se desenvolver”, afirmou, em nota.
A CNM argumenta ainda que a proposta fere o princípio federativo, cláusula pétrea da Constituição, e que a outros países possuem número muito maior de cidades, casos da Alemanha – 11 mil – e Espanha – 8 mil.