
Enquanto o mundo disputa o domínio de elementos e minerais críticos para a transição energética e o avanço tecnológico, o Amazonas guarda um potencial estratégico ainda invisível para boa parte do país que pode torná-lo em potência mineral global.
Duas áreas do estado, nos municípios de Apuí e São Gabriel da Cachoeira, despontam como promissoras fontes de Terras-Raras — grupo de metais essenciais para a fabricação de turbinas eólicas, veículos elétricos, baterias, sensores, equipamentos médicos e armamentos de alta precisão.
As informações são do artigo “Terras-Raras: uma Síntese, destacando a importância do Brasil e do Amazonas” de autoria do geólogo, PhD e pesquisador João Orestes Schneider Santos, especialista em geologia da Amazônia e da América do Sul.
Apuí tem produção prevista para 2027
O município de Apuí, no sul do Amazonas, abriga um dos projetos mais promissores do país. A empresa australiana Brazilian Critical Minerals está em fase de dimensionamento de reservas de Terras-Raras em argilas iônicas, um dos tipos de depósito mais estratégicos e disputados atualmente no setor mineral, com expectativa de início de produção entre 2027 e 2028.
Testes laboratoriais indicaram um teor médio de 793 ppm (partes por milhão) e uma taxa de recuperação de até 87% de elementos valorizados como neodímio, praseodímio, disprósio e térbio, o que coloca o local em um patamar comparável aos grandes depósitos da China, principal produtora global desses minerais — hoje responsável por cerca de 90% da produção mundial.

Essas argilas representam uma forma de extração menos agressiva ao meio ambiente e são típicas de regiões com clima úmido e presença de rochas específicas — características abundantes na Amazônia.
As Terras-Raras extraídas desse tipo de argila são cruciais para a fabricação de ímãs permanentes, semicondutores, catalisadores, baterias de carros elétricos, sensores e sistemas ópticos de alta precisão.
“O Brasil tem uma vantagem geológica e climática sobre a China nesse aspecto. É um território com maior volume de rochas-fonte e condições ideais para o intemperismo químico”, explica João Orestes.
Seis Lagos: a jazida esquecida em São Gabriel da Cachoeira
Outro ponto estratégico é o carbonatito do Morro dos Seis Lagos, a 85 km do município de São Gabriel da Cachoeira. Reconhecido pelas maiores reservas de nióbio do mundo, o local pode abrigar também enormes quantidades de Terras-Raras pesadas — as mais valiosas do mercado internacional.
De acordo com João Orestes, estudos realizados pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) nos anos 1970 comprovaram a presença de 82 milhões de toneladas de Nb₂O₅ (óxido de nióbio) — um volume equivalente a mais de US$ 4 trilhões em valor bruto.
No entanto, na época, as análises geoquímicas focaram apenas nos elementos mais conhecidos do grupo das Terras-Raras, como cério e lantânio. Por limitações da época, não foram analisados os elementos pesados do grupo, como disprósio, térbio e lutécio. Isso deixa uma lacuna crítica no conhecimento da jazida por parte do governo brasileiro.
“O que temos em Seis Lagos é um gigante adormecido. Já sabemos que há cério e lantânio em grandes volumes. O que ainda não sabemos — e precisamos investigar — é o quanto de Terras-Raras pesadas há lá. E o mundo está atrás exatamente desses metais”, explica João Orestes.
Para o pesquisador, o fato de Seis Lagos estar em uma área já mapeada e com características geológicas compatíveis com grandes depósitos de Terras-Raras pesadas torna o caso ainda mais grave
“Isso indica que Seis Lagos pode esconder um dos maiores depósitos de Terras-Raras do mundo, mas ainda não foi devidamente explorado nem inserido na política mineral do país.”
Metais estratégicos e valiosos
As Terras-Raras englobam 15 elementos metálicos, com aplicações que vão da produção de ímãs superpotentes até o uso em lasers médicos e equipamentos de imagem.
Alguns dos elementos mais escassos e valiosos são:
- Lutécio – US$ 664/kg: usado na terapia contra câncer e em tomografias de alta precisão.
- Térbio, Thúlio e Yttérbio – entre US$ 1.950 e US$ 1.980/kg: aplicados em motores de veículos elétricos, energia eólica e sistemas ópticos.
- Disprósio – US$ 454/kg: essencial para manter a estabilidade de ímãs em altas temperaturas, como em turbinas.
- Neodímio e Praseodímio – cerca de US$ 115/kg: base para os ímãs permanentes mais potentes, usados em turbinas e eletrônicos.
Outros, como lantânio e cério, mais comuns, são vendidos por cerca de US$ 5 por quilo, mas têm alta demanda na indústria petroquímica e na produção de baterias e catalisadores.
Brasil: segunda maior reserva do mundo, mas sem produção
Apesar de deter a segunda maior reserva de Terras-Raras do planeta, com 21 milhões de toneladas — atrás apenas da China, com 44 milhões — o Brasil ainda não produz nenhum grama desses elementos.
O Amazonas, em particular, poderia impulsionar a entrada do país nesse mercado estratégico. Mas, como alerta João Orestes, falta infraestrutura, decisão política e planejamento de longo prazo.
Apesar do potencial, não há até o momento um projeto de exploração mineral em andamento na área, tampouco estudos atualizados sobre a totalidade dos elementos presentes.
“Com a tecnologia atual, seria possível fazer um mapeamento completo da jazida e descobrir seu verdadeiro potencial. Isso deveria ser uma prioridade nacional. É o posicionamento do Brasil e da Amazônia no futuro tecnológico do mundo”, reforça João Orestes.
Desenvolvimento com soberania
Enquanto países como China, EUA, Austrália e Mianmar avançam na exploração e produção de Terras-Raras, o Brasil continua ausente — mesmo tendo uma das maiores reservas do planeta.
Seis Lagos e Apuí são as duas pontas da mesma oportunidade histórica: colocar o Amazonas como protagonista global da transição energética e da economia tecnológica.
“Mas isso só será possível com decisão política, pesquisa científica e investimento público e privado coordenado. A Amazônia pode — e deve — ter protagonismo na nova economia verde e digital. Isso acontecerá se houver investimento em pesquisa geológica, infraestrutura logística e uma política nacional que compreenda o valor desses recursos”, conclui João Orestes.