Falta de ligação terrestre com o resto do país deixa população refém das limitações do transporte aéreo e da demora na entrega dos insumos essenciais no dia a dia de amazonense e roraimenses
Manaus é uma ilha cercada de floresta e rios por todos os lados , mas o isolamento da maior capital da Amazônia brasileira ficou ainda mais exposto na situação de calamidade pela qual a capital da Amazônia Brasileira passa atualmente com a falta de oxigênio para manter vivos seus doentes.
O gargalo da logística já é uma rotina na vida dos empresários e comerciantes. Eles planejam o transporte de insumos para as suas linhas de produção com antecedência de dias para manter o fornecimento dos clientes e convivem com o conhecido “custo amazônico”na região, por conta do alto custo do frete aéreo. Mas essa ligação com o resto do país virou uma questão de vida ou morte e tem deixado refém uma população de mais de 4 milhões de pessoas.
Sem ligação terrestre, Manaus depende do transporte aéreo e fluvial para cargas e passageiros. Com um parque industrial de 600 empresas e 2,3 mihões de habitantes, a maior metrópole do Norte do Brasil não tem uma ligação terrestre e algumas viagens levam dias de barco ou mais de duas horas de voo com capitais do Centro-Oeste e Sudeste.
Asfixiada, sem ar, com pacientes morrendo nos leitos dos hospitais, o Brasil assiste pela televisão a chegada de balsas vindo de Belém e de Porto Velho, com cinco e três dias, respectivamente de viagem. Aviões da FAB fazem a ponte áerea com São Paulo e carretas só chegam pela única ligação interestadual terrestre da cidade (a rodovia 174, Manaus-Boa Vista), por onde neste domingo chegam carretas cheias de oxigênio vindas da Venezuela.
“O isolamento geográfico enfrentado por Manaus é um dos principais fatores que dificultam o abastecimento de oxigênio e outros insumos, neste momento de crise na saúde, uma vez que o estado não tem uma ligação terrestre de qualidade com outros Estados, ficando refém apenas da BR-319 (Manaus – Porto Velho), que segue sem estar completamente asfaltada”, se queixa o prefeito, David Almeida (Avante).
Ele se refere a um rodovia construída e completamente asfaltada nos anos 70 e que hoje está praticamente intrafegável e vive sob um dilema entre as autoridades e ambientalistas sobre a sua repavimentação.
“Todos aqueles que clamam em ajudar o Amazonas, a Amazônia, quando veem uma árvore sendo derrubada, a floresta pegando fogo, que se unam para salvar as pessoas. Não vi esse movimento em nível nacional, internacional”, apela o prefeito de Manaus.
Com um trecho de 400 km em condições precárias, com atoleiros abissais, a estrada se mantém trafegável por conta de abnegados viajantes que insistem em cruzar seus 800 km diariamente e de empresários que ainda mantém uma linha comercial de diária de ônibus.
“A gente sente na pele a necessidade de ter uma rodovia que nos tire do isolamento. Hoje a gente não tem oxigênio nos hospitais, nem público nem privado, estão montando uma força tarefa para trazer pelo transporte aéreo. Se a gente tivesse a estrada asfaltada com certeza teríamos comboios e mais comboios trazendo”. diz o presidente da Associação dos Amigos e Defensores da BR-319, André Marsílio, que reúne mais de 4 mil associados que se comunicam 24 horas informando os viajantes sobre as condições da rodovia.
” Até quando a gente vai ter que enfrentar esses problemas logísticos para entender a importância da estrada para a região Norte do nosso país, para enfrentar questões de saúde e humanitárias como esta? Pergunta ele. “Para você ter uma ideia, hoje o custo do transporte aéreo é três, quatro vezes maior do que o rodoviário”, afirma Marsílio.
A falta do transporte rodoviário gera um impacto significativo nas operações econômica da região e no produto final na mesa ou no dia a dia do consumidor amazonense. Produtos que tem preços irrisórios nas feiras e supermercados do Sudeste, custam valores inacreditáveis para os visitantes que vem a Manaus.
Com mais de 80% da economia do estado, Manaus é o sexto PIB do país e mantém a mesma posição no ranking de população das capitais brasileiras à frente de metrópoles como Recife, Curitiba, Porto Alegre e Belém, segundo o IBGE.
“A realidade que nos vivermos na atividade econômica é exatamente essa. Ou você paga um frete alto, o aéreo para ter mercadoria no menor espaço de tempo ou você paga o marítimo, de 15 a 17 dias, tanto para escoar como para receber do resto do Brasil”, explica o presidente do Centro da Industrias do Estado do Amazonas Wilson Périco.
“É daí a nossa grita por conta da BR-319. Não que venha a ser mais barata. Mas a conta é o quanto você paga e o tempo que você tem para ter acesso à aquele bem. E essa questão de saúde veio escancarar de uma vez por todas a importância de ter essa rodovia asfaltada”, afirma Périco.
“Eu não vi nenhum ambientalista, os que defendem que aquilo não pode pelo desmatamento, se maniestar por conta das vidas que nós perdemos aqui pela escassez logística que faça com o tempo de atendimento por conta do oxigênio seja longa como está sendo”, afirma Périco.
Manaus sempre teve esse problema de logistica e é uma característica comum do estado costumam dizer empresários locais. Os pedidos são feios com semanas de antecedência e alguns utilizam sistema de cabotagem e a mercadoria chega em Manaus em até 28 dias.
“Nossos pedidos as vezes saem cinco, seis dias depois, vão demorar 14 dias e com uma certa frequência essa mercadoria vai chegar em Manaus com 28 a 30 dias. E aí veja, numa situação como agora, um lockdown, um impedimento da gente continuar com as nossas atividades, muitas vezes você já fez o pedido e a mercadoria está em trânsito. E como vamos fazer com o produto que não temos para quem vender”, diz o empresário do grupo amazonense Alemã, Raul Andrade, que tem uma rede de lojas próprias de alimentação e detém marcas como a Bobs.
“´Nossa logística é um calcanhar de Aquiles. Logística é uma questão muito séria, é para quem entende. Manaus sempre teve esse gargalo, é uma característica do nosso isolamento”, finaliza.
Para o governador Wilson Lima, o momento deixa claro a necesidade de sair da dependência aérea e fluvial. No final do ano passado, ele o ministro da Infraesturura, Tárcisio Gomes de Freitas, estiveram visitando a rodovia e assinaram uma ordem de serviço para obras.
“É preciso que o Brasil possa entender por que nós queremos a BR-319. E não é só do ponto de vista econômico, agora é de vida, de sobrevivência. É a garantia do direito de ir e vir do cidadão. Hoje o Amazonas e Roraima estão isolados do restante do Brasil por via terrestre. Daí a necessidade da maior brevidade possível, na pavimentação dessa rodovia”, reforça o governador do Amazonas.
Segundo ele, nesse momento, se a rodovia estivesse asfaltada, caminhões não teriam que esperar para embarcar em balsas em Porto Velho (RO) e levar três dias para chegar em Manaus. “Estariam aqui em 12h”, disse destacando, ainda, a pressão dos ambientalistas sobre a pavimentação da estrada, que já tem um projeto de impacto ambiental sendo analisado no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Segundo o ministro Tarcísio de Freitas, o projeto será um modelo de sustenabilidade em termos de proteção do meio ambiente. “Vamos tornar esse sonho realidade. Não podemos mais admitir que o estado do Amazonas não tenha essa conexão com o resto do país, que uma capital importante como Manaus fique isolada do Brasil”, disse.
Moradores esperam pelo asfalto
Mas não são apenas os manauaras os isolados. A estrada também tem ‘vida inteligente’ e pulsa. Nas suas margens tem hotéis, oficinas mecânicas, bares, restaurantes, hotéis e comunidades.
Enfrentando a poeira no verão e os atoleiros no inverno amazônico chuvoso, motoristas, passageiros e moradores dos municípios isolados pelas condições atuais da rodovia preferem acreditar em tornar realidade um sonho de mais de 20 anos.
“Cheguei aqui e a era estrada boa, asfalto pretinho de Manaus a Porto velho”, diz Nilda Castro dos Santos, a Dona Mocinha, moradora há 47 anos, da comunidade São Sebatião do Igapó Açu, no Km 296 da rodovia, onde vivem 76 famílias de agricultores.
“Estou orando para que Deus toque no coração dessas pessoas. A gente tinha uma vida muito boa. Voce não sabe o quanto a gente já sofreu. São três horas de carro até Manaus, mas já levamos três dias de barco pra chegar quando a estrada está ruim. Já dormimos nos atoleiros com crianças, sem conseguir passar”, lembra Dona Mocinha.
“Pra que que tem policia ambiental, Ibama? Não é para fiscalizar? Pergunta Dona Mocinha, se referindo a uma possível “corrida do ouro”, por terras, na fronteira agrícola mais ao sul do Amazonas por grileiros e colonos.
Impactos ambientais
Atualmente o Amazonas é o estado da Federação que mantém mais de 80% de sua floresta nativa preservada. O modelo econômico da região tem um polo industrial sem chaminé, com grandes empresas de tecnologia que produz motocicletas, televisores, telefones celulares, bicicletas e outros produtos que fazem parte do codidiano do brasileiro de Norte a Sul.
A concentração da economia desse distrito industrial provocou um exôdo da população do interior pelas oportunidades na capital do estado e inibiu as atividades econômicas nos outros 61 municípios do interior do estado, a exceção da perfuração de petróleo e gás e minerais em alguns municípios, que até então não tem provocado significativo impacto de desmatamento.
Estudos
Alvo de diversos estudos de impactos ambientais por entidades, organizações não governamentais, universidades e organismos da área, a BR-319 tem projeções sombrias sobre a sua existência.
Um último estudo realizado pelo Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) também não foi diferente e projeta dois cenários para o período (2017 a 2050).
O levantamento é feito sem e outro com obras na rodovia e sobre um possível impacto ambiental provocado pela sua pavimentação. Ele mostra que o desmatamento acumulado no estado do Amazonas pode aumentar quatro vezes até 2050.
Também estima prejuízos econômicos da ordem de 350 milhões de dólares anuais para o agronegócio, com a perda de serviços ambientais.
Segundo o líder do grupo de pesquisa, professor Raoni Rajão, a repavimentação da BR-319 vai elevar o valor das terras na região da rodovia.
Ele destaca que isso acontecerá inevitavelmente, mesmo se tratando de áreas de domínio público, como terras não destinadas, ou áreas protegidas já estabelecidas.