Projeto permite que visitantes experimentem convivência com moradores dos territórios indígenas; cinco comunidades tiveram plano de visitação aprovado pela Funai
O projeto resgata a cultura dos povos do Amazonas com e suas antigas tradições que vão da alimentação, musica, dança e valores indígenas de comunidades dos municípios de Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira, no Norte do estado. Os turistas saem de Manaus adquirir pacotes do roteiro que tem o apoio do Instituto Socioambiental (ISA) e da ONG Garupa — responsáveis por viabilizar a logística, da documentação à comunicação entre moradores e visitantes, numa região onde não há sinal de telefonia e menos ainda de interne.
A ideia não é o turista se ornamentar e tirar fotos como índio, mas fazer com que ele conviva com os moradores, ouça suas histórias, experimente as comidas plantadas e preparadas por eles, dormir em suas redes e caminhar por seus terrenos sagrados, onde mulheres grávidas ou menstruadas não entram, e é preciso lavar a boca antes de beber ou se alimentar.
“A gente percebe que o turismo já está resgatando as músicas, as danças, os mitos, os valores das poucas pessoas antigas que ainda temos”, diz a ex-presidente da Associação das Comunidades Indígenas e Ribeirinhas (Acir), Cleucimara Reis Gomes.
Além da Acir, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro Foirn é responsável pelo projeto e pela capacitação das comunidades, acompanhadas também por Funai e ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Desde a primeira expedição-teste, há dois anos, os roteiros foram montados seguindo as indicações dos guias indígenas e as sugestões dos turistas “cobaias”. A próxima etapa envolverá operadores que poderão vender o pacote aos interessados e levá-los até as comunidades, que dividem entre si a renda das expedições, com contas abertas na internet. Por ora, cabe à Garupa levar os visitantes, que desembolsam cerca de R$ 7,5 mil por expedição — dinheiro que cobre todas as despesas a partir de Manaus.
“Aqui, a verba de alojamento (coletivo, com redes e banheiro compartilhado) é da comunidade, porque todo mundo construiu. Das refeições, cada um que participou recebe uma parte. E o dinheiro da festa fica para a escola”, conta Ivania Melgueiro Baltazar, 48, coordenadora da visitação à comunidade de Cartucho, onde estão 40 famílias.
Viajantes e moradores sabem que o investimento para estar lá é alto, e todos parecem querer evitar o risco de ser mais uma intervenção negativa na História indígena. Mas o que se vê, ao contrário, são forasteiros fazendo um chamado às tradições, numa tentativa de resgate do que parece estar, por ali, quase definitivamente perdido.
Neste mês de setembro, o jornal O Globo do Rio de Janeiro esteve em três pequenas vilas fazendo o roteiro cultural. O que mais chamou a atenção dos turistas e da reportagem foi a fartura das mesas postas pelos moradores.
Em cada expedição, as famílias se dividem para que não falte alimento: nas cinco refeições do dia, precedidas de orações católicas, aparecem principalmente derivados da mandioca — da farinha ao mingau de tapioca —, frutas e legumes da estação e peixes, a maior fonte de proteínas.
Piranhas, surubins e tucunarés são servidos ensopados, assados na folha de arumã ou grelhados e comidos com colher ou com as mãos, sempre acompanhados de pimentas que, como a mandioca, saem das roças indígenas.
O sistema agrícola do Rio Negro é considerado, desde 2010, patrimônio cultural brasileiro pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Ainda assim, conforme aumenta o acesso dos indígenas a produtos industrializados, mais difícil fica a manutenção de seu milenar método de sustento.Já é mais fácil comprar óleo na cidade do que produzir o próprio, e sucos de caixinha substituíram os das frutas da região — inclusive nas merendas escolares, em que não faltam itens como margarina, atum e salsicha enlatados. Com a “facilidade”, diabetes e pressão alta já se fazem presentes nas comunidades.
Ainda que sob o risco de aproximar mais os moradores dos supermercados, um dos objetivos do projeto turístico no Médio Rio Negro é ajudar os indígenas a resgatar também suas tradições alimentares.