Com o país sem doses suficientes de vacinas estrangeiras para proteger a população, cientistas brasileiros esperam que o governo invista mais no desenvolvimento de imunizantes 100% nacionais. De 15 projetos contra Covid-19 deitos no Brasil em 2020, quatro tem chances de conclusão.
Segundo matéria publicada neste fim de semana no jornal carioca O Globo, projetos do Instituto do Coração, do Instituto de Ciências Biológicas da USP, da start-up paulista Farmacore e da UFMG vão começar os testes em humanos ainda este ano, a partir de maio, e já consumiram R$ 9 milhões de recursos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
Jorge Kalil, diretor do laboratório de imunologia do Instituto do Coração, ligado à USP, conta que já recebeu promessa de apoio do governo federal, caso avance até a fase 3 de ensaios clínicos, após provar segurança e capacidade de resposta imune.
— Semana passada falei com o presidente, que se mostrou bastante interessado — diz Kalil, que criou uma vacina cujo antígeno (o elemento que instiga o sistema imune a identificar e combater o vírus) é uma proteína sintética.
— O presidente disse que iria fazer todo o esforço para conseguir recursos, caso a gente consiga avançar nas etapas clínicas, disse ele a reportagem.
Para chegar só à “prova de conceito” (a demonstração de que a fórmula consegue proteger um organismo) uma vacina precisa de R$ 1,5 milhão. Depois disso, são necessários mais de R$ 10 milhões até o ensaio clínico. Os testes em humanos são a etapa mais cara. A título de comparação, a vacina da Moderna recebeu do governo americano US$ 1 bilhão, sem garantia de retorno.
Parcerias
Cientistas também buscam parcerias com empresas privadas nacionais. Alguns já fecharam acordos. Porém, por uma questão de sigilo dos contratos, não podem revelar quem são os seus parceiros.
A vacina do grupo de Lopes, que usa como antígeno um fragmento da proteína S do vírus cuidadosamente escolhido, obteve bons resultados iniciais. Agora, ele estima que serão necessários R$ 30 milhões para as fases 1 e 2 em seres humanos. Para a fase 3, mais R$ 300 milhões — justamente a cifra citada por Bolsonaro.
— O modelo de produção de vacina no Brasil é de licenciamento — diz Luiz Carlos Ferreira, do Instituto de Ciências Biológicas da USP.
Segundoe ele, tudo se desenvolve no exterior e, quando está quase pronta, vem o IFA, que na verdade é a vacina. “Ele chega aqui, é colocado nas ampolas, que recebem um rótulo, e ele passa a ser a vacina brasileira”, diz.
Ferreira estava desenvolvendo no início da pandemia uma vacina de coronavírus junto com o Butantan, que desistiu do projeto para firmar parceria com a chinesa Sinovac. Agora, o cientista trabalha no desenvolvimento de vacinas para Covid-19 feitas de material genético (DNA e RNA).
Testes
O grupo de pesquisa que relata estar mais avançado com sua vacina é o da Farmacore: em maio, espera iniciar as fases 1 e 2 do ensaio clínico, num grupo limitado de pessoas.
O único projeto não paulista no pelotão de frente da busca pela vacina brasileira é o da UFMG. Líder do trabalho, Ricardo Gazzinelli busca fazer uma vacina com base no vírus influenza geneticamente modificado para não se replicar e alterado para expressar o gene da proteína S, que o coronavírus usa para invadir células humanas. A ideia é criar uma vacina “bivalente” para proteger contra gripe e Covid-19.
— Os testes da fase pré-clínica revelaram que a vacina induz não apenas a produção de anticorpos mas uma resposta de células T extremamente forte — diz Gazzinelli.
— São essas células de defesa que bloqueiam a evolução da doença.