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Dez militares estão presos por fuzilarem carro com família em RJ

Três homens foram baleados; um deles, Evaldo Rosa, de 51 anos, não resistiu. Depois de afirmar que equipe revidou ataque de assaltantes, Exército anunciou a prisão de 10 militares.

O fuzilamento de um carro em Guadalupe, Zona Norte do Rio, causando a morte do músico Evaldo Rosa, de 51 anos, e deixou dois feridos, na tarde de domingo (7), levou o Exército a prender 10 militares nesta segunda-feira (8).

Num primeiro momento, porém, o Comando Militar do Leste afirmou que o morto era um assaltante. Depois, citando “inconsistências” nos depoimentos, determinou a prisão em flagrante de 10 dos 12 militares ouvidos, “em virtude de descumprimento de regras de engajamento”. A investigação ficará a cargo do Exército.

Para o delegado Leonardo Salgado, da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro, “tudo indica” que os militares do Exército se confundiram.

“O Exército Brasileiro (…) repudia veementemente excessos ou abusos que venham a ser cometidos quando do exercício das suas atividades”, afirmou o CML.

O fato

Às 14h40 de domingo (7), um carro que seguia pela Estrada do Camboatá, em Guadalupe, quase chegando ao acesso à Avenida Brasil, foi alvo de pelo menos 80 disparos de fuzis de soldados do Exército.

Estavam no carro: Evaldo dos Santos Rosa, sua mulher, seu filho de 7 anos, seu sogro e uma amiga da família. Eles contam que estavam indo para um chá de bebê.

As vítimas

  1. Evaldo dos Santos Rosa – morto na hora;
  2. Sérgio Gonçalves, sogro de Evaldo – baleado nos glúteos, internado em estado estável na sala vermelha (para pacientes com gravidade;
  3. Um pedestre – ainda não identificado, assim como é desconhecido seu estado de saúde.

A primeira versão dos militares

Segundo nota do Comando Militar do Leste, enviada no domingo:

  1. Uma patrulha do Exército deparou com um assalto nas imediações do Piscinão de Deodoro;
  2. Ao avistarem a patrulha, os dois criminosos, que estavam a bordo de um veículo, atiraram contra os militares;
  3. A equipe respondeu à injusta agressão;
  4. Como resultado, um dos assaltantes foi a óbito no local e o outro foi ferido, sendo socorrido e evacuado para o hospital;
  5. Um transeunte que passava pelas imediações foi ferido em decorrência da troca de tiros, tendo também sido socorrido e evacuado. Informações preliminares dão conta de que o cidadão inocente ferido está fora de perigo.

A versão da família

  1. Uma amiga que estava no carro afirma que o grupo estava indo para um chá de bebê e que Evaldo, que dirigia o Ford Ka sedan, era segurança e músico;
  2. O trânsito fluía sem problemas e não havia blitz na estrada;
  3. Um tiro entrou pelo vidro e atingiu Evaldo, que morreu na hora;
  4. Com o motorista desacordado, o sogro dele, Sérgio Gonçalves, que estava no carona, controlou a direção por mais 200 metros;
  5. Os tiros continuaram;
  6. A mulher de Evaldo, o filho do casal e uma amiga, no banco de trás, se abaixaram e depois saltaram do carro;
  7. Sérgio foi baleado do lado de fora do carro;
  8. Nove soldados com fuzis se aproximaram do carro, sem cessar os disparos;
  9. Um morador foi tentar ajudar Sérgio e também foi atingido no peito;
  10. Blindados do Exército cercaram o local.

“Não tinha blitz, não tinha arrastão, não tinha vestígio de nada, estava normal. A gente foi pego de surpresa”, diz a amiga da família. “O carro perdeu a direção, o Evaldo foi baleado, e mesmo assim eles continuaram atirando. A gente está sem entender até agora”, emenda.

O que diz a Polícia Civil

O delegado Leonardo Salgado disse que tentou, sem sucesso, ouvir os nove militares envolvidos.

“Determinei que a minha equipe realizasse a perícia e pedi que se os nove que abordaram o veículo se apresentassem, mas eles não o fizeram porque já tinham ido para as instalações do Exército”, explicou.

“Pelo que eu colhi, os indícios apontam para um homicídio. Foram diversos disparos de arma de fogo efetuados, e tudo indica que os militares realmente confundiram o veículo com um veículo de bandidos, mas nesse veículo estava uma família”, detalhou Salgado.

“Não foi encontrada nenhuma arma. Tudo que foi apurado é que eles eram realmente pessoas, uma família normal, de bem, e que acabaram sendo vítimas dos militares”, afirmou.

Embora o caso esteja com a Polícia Judiciária Militar, o delegado vê a possibilidade de prisão. “Fica muito difícil tomar uma posição diferente dessa. Ao que tudo indica, não vejo uma legítima defesa. Os indícios apontam pra uma prisão em flagrante.”

Carro roubado

A hipótese de os militares terem se confundido pode ser reforçada com um registro de ocorrência feito na 30ª DP (Marechal Hermes).

Um motorista – que não teve a identidade divulgada – informou que foi assaltado por cinco homens em um sedã branco por volta das 14h (meia hora antes do incidente) na própria Estrada do Camboatá, perto do Piscinão de Deodoro.

A segunda nota do CML

A tomada de depoimentos durou toda a madrugada. O CML apontou “descumprimento de regras de engajamento”.

“Em virtude de inconsistências identificadas entre os fatos inicialmente reportados e outras informações que chegaram posteriormente ao Comando Militar do Leste, foi determinado o afastamento imediato dos militares envolvidos, que foram encaminhados à Delegacia de Polícia Judiciária Militar para tomada de depoimentos individualizados”, disse o Comando.

“Após a conclusão dessas oitivas, foi determinada a lavratura da prisão em flagrante de 10 dos 12 militares ouvidos, em virtude de descumprimento de regras de engajamento”, afirmou.

A partir de agora esses militares passam à disposição da Justiça Militar da União, a quem cabe, obedecido o prazo legal, realizar a Audiência de Custódia.

Investigação

A investigação da ação será feita pelo Exército. Uma lei de 2017, sancionada pelo presidente Michel Temer, diz que crimes dolosos contra a vida, cometidos por militares das Forças Armadas, serão investigados pela Justiça Militar da União, se o crime acontecer nos seguintes contextos:

  • do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;
  • de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante;
  • de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária

A perícia feita pela Polícia Civil e o laudo de necropsia serão enviados ao Exército para que a investigação continue.

Outra morte em ação do Exército

Na última sexta-feira (5), homens do Exército mataram um jovem de 19 anos que furou uma blitz de moto com um amigo numa rua da Vila Militar.

Christian Felipe Santana era assistente de mecânico. Ele estava na garupa de uma moto conduzida por um adolescente de 17 anos, ferido no braço.

Assim como aconteceu neste domingo, o Comando Militar do Leste divulgou uma nota dizendo que eram bandidos. Indignada, a família fez um protesto.

“Meu filho era estudioso, ele se formou com 17 anos, terminou o Segundo Grau… Ele não estava fazendo faculdade ainda porque eu estava desempregada”, lamentou a mãe, Cristiane Santana de Almeida Alves.


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