
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse nesta terça-feira (28) que os amazonenses querem a pavimentação da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) “apenas para passear de carro” porque a estrada não tem viabilidade econômica e ambiental. A declaração foi dada durante depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado, que apura irregularidades no repasse de dinheiro do governo federal para Organizações Não Governamentais (ONGs), incluindo instituições com a participação da ministra.
A CPI é presidida pelo senador amazonense Plínio Valério (PSDB-AM), que questionou as justificativas da ministra para a não conclusão da BR-319, que liga o Amazonas a Rondônia e ao resto do país devido a questão ambiental em que a senadora sempre se mostrou contrária. Valério chegou a dizer que abre mão de seu mandato se uma árvore for derrubada para o asfaltamento de 400 km já existentes da rodovia.
Marina Silva procurou se esquivar das acusações afirmando que ficou 15 anos fora do governo e não fizeram os 400 km que faltam ser asfaltados, no trecho conhecido como ‘do meio’. Ela afirmou que durante esse período o estado teve o ministro dos Transporte Alfredo Nascimento, além de deputados e senadores e nada foi realizado.
“Eu saí do Ministério do Meio Ambiente em 2008. Eu estou voltando em 2023, portanto, 15 anos depois. Por que não fizeram a estrada?”, se esquivou.
Demostrando desconhecimento da região, Marina Silva reforçou o argumento de que a “construção” de 400 km de estrada não é viável economicamente e ambientalmente, especialmente considerando a necessidade de preservar essa área floresta virgem.
A estrada já existe desde os anos 70 e foi se deteriorando com o tempo sem manutenção adequada. Os projetos da obra de pavimentação do trecho de 400 km não prevê corte ou derrubada de árvores. Ela é a única ligação terrestre dos estados do Amazonas e Roraima com o restante do país.
Atualmente, a seca dos rios Madeira, Amazonas e Solimões, expôs todo o comprometimento da logística do estado. Toda a produção industrial do Polo Industrial de Manaus, que abastece o mercado brasileiro com ar condicionado, ventiladores, celulares, geladeiras e outros produtos eletroeletrônicos, teve dificuldade de sair da capital amazonense por via fluvial o que acabou impactando a Black Friday. A data, uma das principais do calendário do comércio varejista, acabou sendo a segunda pior da sua história devido a falta de mercadorias para abastecer os estoques das lojas com os produtos fabricados na capital amazonense.
Na crise do oxigênio em 2021, centenas de amazonenses morreram pela falta do produto devido ao colapso da produção local de atender a alta demanda e precisar de abastecimento de outros estados por via área e fluvial.
Na ocasião, o transporte levava dias para chegar por navio e por via área o maior cargueiro da Força Aérea Brasileira só conseguia transportar 5 mil metros cúbicos do produto. Com a situação de calamidade, um comboio de sete caminhões foram deslocados de Porto Velho para Manaus e levaram quatro dias de viagem para ultrapassar os atoleiros da estrada. Cada carreta tinha a capacidade de transportar 30 mil metros cúbicos de oxigênio, o equivalente a seis aviões da FAB.
Atualmente a estrada se mantém ativa com linhas regulares de ônibus interestaduais e municipais diariamente. Pousadas, produção agrícolas se estendem ao longo da rodovia com milhares de moradores dos municípios por onde ela passa, que enfrentam as dificuldade de enfrentar os atoleiros, pontes destruídas, balsas e interdições.
“A não ser que seja para converter os mais de 400 quilômetros de floresta virgem em outra atividade, não tem viabilidade”, afirmou a ministra, que apesar de ser acreana, se elegeu por São Paulo e foi bastante questionada pela deputada indígena Silvia Waiapi, que acusou ela de virar as costas em defesa da região – veja vídeo abaixo.
Amigos da BR-319
Em Manaus, um grupo de amigos mantém a esperança de ver a estrada trafegável. A Associação do Amigos e Defensores da BR-319 reúne 10 mil pessoas e mais de 30 grupos de WhatsApp que diariamente informam a situação das condições da rodovia.
Nas mensagens trocadas pelo aplicativo são informadas a ocorrência de chuva, horário das balsas, ônibus, caminhões, valores das travessias do rios onde as pontes caíram, hotéis, pousadas, borracharias, mapas e outros serviços.
Após a declaração de Marina Silva, o assunto foi o mais comentado nas redes dos grupos com postagens de indignação dos associados com a fala e desconhecimento da realidade atual da rodovia.
Para o presidente da Associação, André Marsílio, a rodovia se mantém pela persistência dos caminhoneiros e motoristas que encaram os desafios dos 800 km da estrada, 400 km de barro e atoleiros.
“A ministra nunca foi a uma feira no Amazonas ou no Acre, nunca viu as condições da estrada para falar o que disse. A gente luta para ficar junto dos estados brasileiros, que era uma promessas antiga do governo federal de integrar a Amazônia”, afirmou.
Marsílio também cobra dos parlamentares mais empenho na defesa da rodovia que já teve várias frentes formadas pela bancada amazonense, sem avançar no tema.
“Onde vocês estavam. A quanto tempo um deputado federal, um senador não visita a BR-319 para entender o problema das comunidades da estrada?”, questiona o presidente da Associação. “Não fiquem apenas jogando na mídia que são defensores da estrada se sequer nem vão lá na BR-319”.


